Sobre as pedras pedagógicas da educação infantil


Tempos atrás comecei a me incomodar com as estratégias pedagógicas da escola do meu filho. Quando o lugar era apenas uma creche parecia ótimo, pois ele voltava limpo, alimentado, tinha aulas de música, um parquinho e a oportunidade de conviver com outras crianças. Apesar das reclamações iniciais dele a experiência trouxe vantagens, sua habilidade verbal e motora simplesmente disparou. A frequência com que ele ficava doente também, mas foi algo que se estabilizou depois de algum tempo, suponho que o sistema imunológico também aprende muito nesse período.

Porém, a medida que os anos foram passando começaram a surgir livros didáticos, para alguém que nem entrou na educação formal, deveres de casa, avaliações etc. Para um local que se apresentava como seguidor da linha sócio-construtivista eu estava surpreso com a quantidade de exercícios e trabalhos  com comportamentos esperados tão específicos e delimitados que até Skinner ficaria um tanto preocupado.

Os trabalhos artísticos, também ligaram alarmes em várias pessoas, especialmente na avó que já treinou muitas professoras de ensino fundamental Brasil adentro. A idéia inicial de se juntar sucatas foi até legal. Mas só até ver que os trabalhos dos alunos eram todos iguais. E o espaço para a expressão pessoal e individualidade vai parar aonde quando todos fazem o mesmo trabalho? Sendo os “resultados” iguais não é possível entender como foi o processo de criação, onde a criança tem dificuldades ou mesmo quais eram a suas preferências.

Como agravante era possível perceber muito mais o trabalho do professor do que o do aluno. Afinal, todos os trabalhos eram iguais. Quando perguntei como meu filho fez ele me disse que era fácil, ele só “passava uma tinta”. Ok, eles seguem uma linha mais tradicional e behaviorista e de que o resultado descreve aprendizagem. Mas, na boa, acho a abordagem falha se não dá para saber quanto o aluno realmente fez. Não estou menosprezando a abordagem comportamental, acho que ela tem um papel instrumental muito importante. Acredito que as teorias de aprendizagem podem e devem se complementar mas a ênfase no comportamento esperado, no resultado, sem muito interesse no que não pudesse eventualmente ser detectado pelos exercícios padronizados era um fator que estava me incomodando.  Como pai me importa muito mais entender o processo: como foi o para a criança a concepção e criação de uma peça do que receber um saci de tubo de papel higiênico ou um carro de garrafa de água mineral.

Isso pode parecer frescura mas trabalho há mais de 15 anos numa profissão onde criatividade não é vantagem, apenas um pré-requisito, e sei que há modos melhores de se desenvolver as capacidades ou pelo menos não estragar a criatividade de alguém. E, principalmente, sei que dá muito mais trabalho se recuperar a capacidade de criar na vida adulta do que manter essa característica fantástica vinda da infância.

Para deixar mais clara a minha preocupação, Sir Ken Robinson tem uma ótima palestra sobre como as escolas realmente lidam com criatividade.

Alguns pretensos liberais podem alegar que a função da escola é preparar para o trabalho. O que vai envolver obrigatoriamente a alfabetização, domínio de matemática e etc. Sim, não discordo da importância desses conhecimentos básicos.  Porém, um estudo exclusivo do Boston Consulting Group (BCG) e do World Economic Forum (WEF) mostrado pelo Correio Brasiliense, mostra que os alunos e futuros profissionais estão chegando ao mercado de trabalho com conhecimentos, mas sem competências essenciais que, acredito eu, não estão sendo incentivadas pelas escolas. Entre essas competências temos curiosidade, criatividade, pensamento crítico, iniciativa e capacidade de resolver problemas, no qual eu acrescentaria trabalho em equipe, retórica e inteligência emocional.  Alguns profissionais entrevistados no artigo do Correio observam que não vêem problemas de conhecimento técnico, mas a ausência de competências básicas limitam muito o potencial dos novos profissionais.

Imagine como é para alguém que:

  • sempre fez o que foi ordenado de repente ser obrigado a ser criativo;
  • quem sempre teve resultados e feedback rápido ter de lidar com o tempo que um projeto pode levar para maturar;
  • quem sempre foi o destaque se tornar, de repente, um funcionário anônimo;
  • quem sempre trabalhou só ou podia escolher com quem faria trabalho em grupo ter de trabalhar numa equipe com gente que mal conhece ou não gosta muito.

O resultado é que novos profissionais chegam ao mercado com ótimos currículos, mas passivos, sem iniciativa e com dificuldades de trabalhar em equipe.

E acho que esse problema está começando cedo, muito cedo. Acredito que no caso da educação infantil o desenvolvimento dessas competências está sendo esmagado pela obsessão por alfabetização precoce e uso indiscriminado de exercícios dirigidos. Por exemplo: um argumento que ouvi dos professores da escola do meu filho é que eles fazem isso porque os pais querem. O que eu acho um argumento ruim. Eu não confiaria num médico que me diz apenas o que ele acha que eu gostaria de ouvir, mas sim num profissional que está embasado em conhecimento técnico. Se esperamos isso na medicina porque não esperar o mesmo na pedagogia?

Para deixar claro, esse não é só um problema da escola no Brasil, mas no mundo. É preciso repensar a escola que queremos não com base na escola que tivemos mas no que pode ser feito para acrescentar aos alunos, sem retirar ou diminuir qualidades que eles já tem.

Pois o que me incomoda é que estamos podando eles desde muito cedo.

4 comentários em “Sobre as pedras pedagógicas da educação infantil

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  1. O vídeo com a apresentação do pesquisador inglês é muito interessante. Ele é muito original e consegue chamar a atenção dos expectadores com humor fino!… estente a ideia do artigo e complementa com passagens que fazem pensar. Muito oportuno… que pena não ter chegado às professoras…

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    1. Oi Régis, bom saber que você gostou.Concordo que essa discussão ainda é muito restrita. E acho que um dos grandes problemas é que, ao contrário de você, poucos pais realmente se importam com isso. Muitos encaram professores como meros prestadores de serviço e não questionam a qualidade da educação oferecida. E acho que é esse grupo que precisa levar essa discussão aos professores e, especialmente, aos gestores de educação. Para te mostrar como esse problema é global sugiro o seguinte texto. Antes que eles Cresçam

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  2. RENATO VOCÊ SALVOU MEU DIA.
    Sou orientadora pedagógica e estou enfrentado uma residencia dos pais em aceitar nossa proposta construtivista, e estou falando de crianças de 3, 4, e 5 anos não leva atividade para casa, vejo que a escola acaba sendo refém desses pais que espera que o filho saia lendo e escrevendo, depois de lê seu texto revigorei minhas forças de continuar lutando na proposito de questionar a”adultização” desses seres capaz de muito mais que serem apenas reprodução .

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    1. Oi Carla, fico feliz em saber do seu trabalho e só posso dizer que você não está só. Ainda que seja uma luta difícil.

      Se precisar de mais argumentos sugiro ler Sobre o ensino acadêmico precoce uma tradução e resenha de uma compilação de estudos sobre o impacto dessa “adultização”.

      Eu mesmo achava que era uma boa idéia. Porém, nada vem de graça e o custo de ler e calcular cedo demais pode estar sendo pago com equilíbrio e resiliência emocional dessas crianças no futuro.

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