Porque fiquei a favor da universidade paga


Ok, sei que alguns vão torcer o nariz por considerarem que não se pode pensar o ensino para ter lucro e que nos países desenvolvidos e seus altos níveis educacionais isso não acontece. Sim, educação não é um produto, é um serviço e não existe almoço grátis.

Bem, depois de um tempo em Southampton observei que por mais que os ingleses se definam como uma sociedade do conhecimento, prezem pelo welfare state, falem da importância da educação como um formador da cidadania, sociedade, nação etc. observa-se que por aqui ensino também é negócio. Há ótimos recursos e professores e alunos são avaliados porém cursos darem lucro ou ao menos serem sustentáveis é algo que conta e muito.

Só para ilustrar: alunos estrangeiros como eu pagam praticamente o triplo dos estudantes locais e as universidades tem uma pequena, porém sensível, contribuição direta no PIB do Reino Unido.  Por outro lado, a crise todo mundo está apertando o cinto e a Universidade também sofreu cortes. Uma das decisões foi cancelar o curso de Sport Studies, para indignação de estudantes e professores que alegam que o curso foi fechado por não ser lucrativo para a universidade. O reitor negou e alegou que o real motivo foi o curso não estar produzindo pesquisa dentro do nível desejado.

Por um lado o argumento da qualidade é forte, o próprio governo avisou que vai tentar ao máximo manter as verbas das instituições com alta performance e cortar das que tiveram resultados mais baixos, conforme a alegação da reitoria. Bem, apesar dos Britânicos não serem competitivos como os Americanos eles demonstram que não tem pudores com uma certa dose de meritocracia. Por outro, o argumento da grana continua válido mesmo dentro do discurso dele porque boas pesquisas significam verbas e no final das contas mais din-din para a universidade. Ele não falou mas a mensagem implícita é que na hora de apertar o cinto sofrem mais os cursos com menos resultado ou alunos, o que mostra que eles estão bem sintonizados com a lógica do governo não? Antes que alguém culpe o atual primeiro-ministro (David Cameron dos conservadores) lembro que li sobre isso antes da última eleição.  Enfim, o que isso demonstra? Que mesmo para os ricos o dinheiro importa e isso vale ainda mais quando o cinto aperta.

O que me leva a pensar num certo Brasil onde o ensino gratuito é quase um dogma. Para ser claro, eu sou fervorosamente a favor do ensino básico e médio gratuitos, de qualidade e o profissionalizante também. No Reino Unidos eles chamam esse grupo de educação obrigatória. A diferença atual na universidade brasileira é perversa porque serve não só para impedir a ascensão de quem está embaixo como garante menos competição para quem está em cima. Desde que a classe média descobriu que educação rendia poder nunca mais largou o osso.

Porém, para Universidade o ensino deve ser pago sim, a essa altura da vida a pessoa já deve ter maturidade ao menos suficiente para tomar algumas decisões e dá para começar a sair debaixo da saia da mãe e do estado. Ok, preço razoável para estudantes (eu como estrangeiro por aqui acho que devo pagar mais que o cidadão mesmo), bolsas com cotas para negros, pobres e outros grupos marginalizados, sistemas de empréstimo justo para quem não tem condições de pagar e até sistemas de empréstimo razoáveis para quem encarar isso como investimento, mas parou por aí.

Porém, considerando a lamentável qualidade de algumas (muitas) instituições de ensino superior privado no Brasil como e por quê defender isso? Porque o problema no caso brasileiro não é o fato do ensino ser privado, ou mesmo o fato de visar lucro, que o torna ruim. Mas a ausência de um marco regulatório, uma definição clara do que é uma educação decente, principalmente o que é uma educação de nível superior que preste. De fato, o modo empresarial brasileiro de gestão educacional no geral é horrendo. E isso é agravado simplesmente porque não há uma definição clara. Se educação fosse carro, seriam carros sem freio e com um motor que explode na subida. O pecado é a educação ser pensada apenas para lucro e seguindo o mais perfeito processo “Go Horse”

Ao mesmo tempo, nem todo o curso pode ser baseado na questão lucro, dar dinheiro é um indicador muito simples. Acredito que certas áreas tem um retorno que não necessariamente pode ser quantificado em dinheiro, mas produzem imensos ganhos sociais, como saúde coletiva, assistência social etc. Ensino é uma atividade de longo prazo que pode ser influenciada pelo mercado de trabalho, mas não pode ficar totalmente à mercê de suas flutuações. Claro que, no Brasil, se a universidade pública se tornar paga também será preciso ocorrer um longo e bem-planejado processo de transição. 

Por outro lado, é preciso entender que pagar não significa necessariamente dinheiro. Como ex-estudante de Universidade Federal vi como é tentador se esconder lá dentro ou enrolar para terminar o curso. Ser estudante é uma desculpa social aceitável para um adulto não trabalhar sem ser considerado um vagabundo. E  há algo do gênero humano que nos faz dar valor basicamente a coisas nas quais despendemos algo, seja dinheiro, esforço físico ou intelectual. Então sim, dá-se menos valor a coisa pública ou gratuita porque simplesmente ela está a disposição. Isso fica claro no outro extremo, o daqueles que mesmo pagando não dão valor a isso, como pessoas muito ricas, para as quais uma mensalidade universitária é “troco”  e isso eu vi que acontece tanto no Brasil como fora dele.

Portanto, depois de ter uma experiência (longa) em uma universidade gratuita e outra mais recente em uma universidade paga, a qual me custou muito mesmo, posso dizer que sou a favor da universidade paga por experiência própria. O pagamento ajuda a universidade a ser uma instituição mais sustentável e autônoma, porque no fundo a autonomia universitária brasileira atual está demasiadamente concentrada na boa-vontade do estado. 

Enfim, o valor deve ser justo, subsidiado e com empréstimos que não visem lucro de quem empresta. O governo deve contribuir porque educação é um interesse estratégico para qualquer nação, mas não deve ser o único a contribuir. Os estudantes devem ter de despender algum esforço, seja ele  monetário ou qualquer outro, para valorizar o que têm. Para eles a questão não é dinheiro, mas garantir que a vaga que estão ocupando realmente tenha algum significado para eles, mais que o dinheiro o que conta é o sentido.

7 comentários em “Porque fiquei a favor da universidade paga

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  1. Bacana seu blog e a forma como escreve, parabéns! Entretanto, há alguns equívocos. O primeiro é a associação entre “universidade paga” e “melhoria no ensino”. Isso não é necessariamente verdade, principalmente no nosso Brasil. Poderia realmente até ajudar a universidade a ser mais sustentável e autônoma, mas daí para melhorar o ensino… esta não é uma relação automática (embora eu também não tenho dúvidas que poderia, e muito, funcionar)!
    Outro equívoco é associar o pagamento por parte dos alunos a uma maior valorização, dos mesmos, pela educação que estão recebendo. Estudei na UFMG, e lá (assim como é semelhante em outras universidades federais do Brasil), os melhores cursos estão lotados com alunos das melhores escolas (geralmente parciculares, com pouquíssimas excessões como as escolas federais de nível médio) do país. Estes alunos (e seus pais) que costumam pagar 800 reais de mensalidade no ensino médio… o que significaria para eles pagar 200, 300 reais por mês em uma universidade? NADA!
    Para tentar algo diferente, o dinheiro pago às universidades poderia, por exemplo, ser revertido em verbas para as escolas públicas de ensino fundamental e médio (salário de professores, laboratórios, cursos de aperfeiçoamento, etc). Isso sim poderia promover uma verdade elevação na qualidade do ensino no Brasil.

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  2. Olá Itaboray, de fato pagamento não significa necessariamente qualidade, por isso falei que falta é um marco regulatório para definir o que é bom ensino e definir isso não é uma tarefa trivial. Na verdade, até pode-se complicar mais um pouco observando que importa mais o aprendizado que o ensino per se.

    E quanto à valorização, vejo que concordamos que muitos estudantes não dão valor ao ensino que tem e precisamos pensar em uma solução para isso. Dizer “As pessoas deviam ter consciência” é obvio e não resolve.

    Por “pagar” entenda que eu não me referia simplesmente a dinheiro, mas sim que deve haver alguma relação entre esforço e o direito de estudar.
    Motivar os estudantes (e motivar não significa satisfazer) não é a única melhoria necessária, mas seria o trampolim para várias outras.

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    1. Trabalho em uma instituição, aqui em BH, que promove cursos profisisonalizantes, preparatórios e supletivos totalmente gratuitos a pessoas que comprovem baixa renda familiar (cursos de qualidade, 100% gratuitos, onde ainda é oferecido um lanche no intervalo entre as aulas: quer motivação maior do que essa?). Todos os funcionários da instituição são remunerados, com carteira assinada, pela filantropia de um colégio particular da cidade. Todo início de curso, temos uma procura relativamente alta, mas a taxa de evasão ao longo do ano é muito elevada (sem contar os alunos que são desligados dos cusos por apresentarem frquência insatisfatória). Lá, temos este mesmo sentimento: os alunos não valorizam a oportunidade por ser um ensino 100% gratuito.
      Destacando uma boa iniciativa do MEC: alunos bolsistas do PROUNI perdem o befefício se forem reprovados em 2 matérias em um período! Isso sim é uma boa relação de troca!

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      1. Otimo exemplo e proposta de solução, inclusive acho que na prática o Prouni funciona como um “motivador” mais eficiente que a vaga gratuita da faculdade pública.

        Esse problema de evasão que você comentou é algo parecido com o que vi em cursos de Ead e é algo que a forma como entendemos escola em si está sofrendo para solucionar. Como dar, mais que motivação, sentido para que os alunos aprendam?

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  3. Renato,
    o assunto vem nos assombrando tem mto tempo. Não vejo problemas em q um sujeito de alta renda pague algo à universidade pública – essa prática já se encontra, inclusive, implantada em mtas universidades públicas, através da adoção de taxas de matrícula. O problema não é esse, mas é como garantir q a universidade pública não se torne feudo de alunos de classe média para cima, como, por sinal, já acontece. Sou professor em uma pública “de segunda”, a Universidade Federal de Ouro Preto. Tem três ou quatro cursos de topo, e o resto é de questionável a indefensável, apesar do esforço q fazem os professores. E o problema é exatamente a formação dos alunos, pq na UFOP, por uma série de motivos, boa parte (tvz uns 40 por cento) dos alunos procedem da rede pública. Não consigo ver o Prouni como motivador, visto q empurra os alunos para instituições privadas abaixo da crítica. Tudo bem – levará algum tempo até que a avaliação de cursos do MEC funcione, até pq essa é demasiado leniente (em minha opinião de agente do processo – já participei dessas avaliações). Mas até lá, o q fazer?
    Certamente melhorar o ensino público é realmente a saída para s duas ordens de questões. Lembro q qdo estagiei nos EUA, numa Ivy League, a maior parte dos alunos de cursos de topo procedia de escolas particulares, mas a instituição distribuía bolsas a três por dois, e boa parte desses bolsistas vinha de famílias de baixa renda e tinha estudado em escolas médias públicas ou em particulares, mas tamb com bolsa. Segundo eu soube, as escolas públicas eram classificadas, inclusive pela quantidade de estudantes q tivessem conseguido chegar à cursos superiores, sucesso na prática de esportes, em concursos nacionais, essas coisas. Cheguei a visitar uma escola pública mantida pelo estado de Maryland que tinha rating mais alto do que escolas particulares. Até onde sei, tenta-se um mesmo processo aqui no Brasil, mas não tenho notícias sobre a qtas anda. Mas não deve andar mto bem, se levar em conta as últimas informações sobre o ENEM…

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    1. Assombrar é uma boa definição, acho que é um problema que realmente não conseguimos resolver ainda: como motivar as gerações atuais para o estudo, como contextualizar o que eles aprendem, em todos os níveis. Algo que faça os estudantes darem valor para o que têm. Para dar um exemplo dentro de um assunto que gostamos: aposto que os latinos, muitos deles brasileiros, que serviram ao exército americano no Iraque e Afeganistão dão todo o valor ao green card e bolsa universitária que ganham depois de seus tempos de serviço no inferno.

      Já o lance do pagamento, é importante para justamente abrir vagas para mais gente, como o exemplo da Ivy League que você deu, no meu caso por exemplo, como estrangeiro o valor que eu pago com certeza subsidia a entrada de um cidadão inglês na universidade. É uma medida de sustentabilidade financeira.

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