Diferenças culturais e educação – entre o ocidente e o oriente


Lendo “The theory and practice of learning” do Jarvis, Holford e Griffin encontrei um capítulo muito interessante sobre o efeito das diferenças culturais.

Para começar um dos problemas observado em relação às teorias de aprendizagem é que elas são baseadas principalmente em estudantes homens e ocidentais para desenvolver conclusões sobre como funciona o aprendizado humano como um todo. Comentar sobre as diferenças culturais é algo muito comum entre autores porém descrever como o aspecto cultural realmente influencia o aprendizado é uma tarefa em que poucos se aventuram, são os temidos “cross-cultural studies” que meu pai me contou tempos atrás.

Um exemplo é o aparente paradoxo que rola no caso dos estudantes chineses. Vejam só, hoje em dia há um certo consenso no ocidente de que o bom aprendizado deve ter:

  • diferentes métodos de ensino;
  • focar em criação e reflexão em detrimento da repetição;
  • ser centrados no estudante enfatizando atividades, reflexão e auto-disciplina;
  • ocorrer em classes pequenas num clima simpático com ênfase em cooperação em vez de competição.

Porém o sistema asiático de ensino costuma a fazer exatamente o contrário, as classes são grandes, a meritocracia e competição é incentivada. Porém ainda assim estudantes orientais costumam a apresentar bons resultados no ocidente, muitas vezes até melhores que os estudantes locais. As tais “culturas confuncianas” apresentadas costumam a:

  • basear-se na instrução (e repetição);
  • colocar o professor como autoridade inquestionável;
  • os exames procuram obter objetivos cognitivos mais básicos;
  • os estudantes são incentivados a competir e coloca-se muita pressão sobre eles.

De acordo com Biggs (1996) o primeiro paradoxo surge porque analisamos os sistemas orientais sob a ótica ocidental, o que leva a alguns preconceitos. Por exemplo o ensino chinês parece instigar a criatividade menos que o ocidental. No ocidente acredita-se que exploração ocorre primeiro para então se desenvolver habilidades, enquanto os orientais acreditam que primeiro devem ser desenvolvidas as habilidades, o que frequentemente requer uso de repetição, para então se desenvolver exploração e criatividade. Assim no ocidente tarefas repetitivas remetem à mecanização de ações sem reflexão,  nós vemos repetição como um conhecimento superficial, mecânico. Por outro lado, no oriente use-se a repetição como um modo de garantir memorização, um suporte para se aprofundar o conhecimento.

Portanto é um erro achar que qualquer uso de repetição no aprendizado é obrigatóriamente superficial. O treino de kung fu por exemplo, passa exatamente por isso, muita repetição como forma de se aprofundar o aprendizado. Primero se passa muito tempo repetindo os movimentos para então “criar” a partir deles durante uma luta, por exemplo.

Outro ponto diferente é que no ocidente atribuímos sucesso ou falha de acordo com o nível de habilidade ou conhecimento apresentado, geralmente medido em testes. Enquanto os orientais focam no esforço do estudante como fator primário de avaliação. Hau e Salili (1991) mostraram que os estudantes de ensino médio são avaliados de acordo com os seguintes quesitos: esforço, interesse em estudar, habilidade de estudo e enfim a habilidade ou conhecimento desejado. O efeito é colocar os estudantes mais envolvidos com o estudo durante todas as fases do ensino. Isso significa que enquanto o sistema ocidental padrão se baseia num critério válido para todos o sistema oriental parece tornar-se bem mais personalizado para cada estudante,  não?

Outro efeito é que apesar de estudantes orientais interagirem pouco em aula eles costumam a estudar mais fora dela, inclusive estudando em conjunto. Nesse ponto observou-se que os estudantes costumam a procurar o professor com frequência fora do horário de aula para tirar dúvidas, até porque os professores orientais tem mais tempo livre para atender os alunos fora de classe que os ocidentais. Convenhamos, atualmente nós ocidentais colocamos muito peso no momento da aula em si.

Dessa forma é possível ver que a forma como os estudantes orientais aprendem está ligada com a natureza da sua cultura e sociedade. O Confuncionismo enfatiza que todas as pessoas podem se educar e melhorar, sendo um sociedade caracterizada pelo coletivismo e centrada na família. A identidade do indivíduo é formada considerando, família, e sociedade. Uma das diferenças é que orientais vêem o sucesso na família ligado ao sucesso profissional, que no ocidente são vistos como campos opostos e freqüentemente em conflito.

Claro que isso não significa que o sistema deles seja perfeito ou melhor que o ocidental, certas taxas de suicídio valem análise, por exemplo. Mas mostra que apesar dos mecanismos básicos do aprendizado humano continuarem sendo universais o que aprendemos e o modo como o fazemos são muito influenciados pelo contexto em que estamos. E como dizem os antropólogos você precisa entender os valores e a cultura de um povo para entendê-lo.

fonte:

JARVIS, P HOLFORD, J GRIFFIN, C. (2003) The theory & Practice of Learning (2ed.) London: Koogan Page.

9 comentários em “Diferenças culturais e educação – entre o ocidente e o oriente

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  1. Renato,
    como você bem frisou no final do seu texto, não podemos olhar os sistemas de ensino do ponto de vista valorativo, certo? Cada sociedade adota um sistema baseada em suas crenças, valores e tradições. O seu texto é especialmente interessante por ressaltar que devemos SIM levar em conta as diferentes culturas quando vamos analisar a Educação como sistema. Mas devo ressaltar que ainda vejo uma generalização muito grande no seu texto quando você se refere ao Ocidente e ao Oriente, pois são regiões que também possuem diferenças culturais marcantes entre si. Apesar da globalização, ainda somos regidos por princípios muito próprios, somos diferentes em muitos princípios. Concordo com a questão da coletividade e aprendi a ver muito isso nas aulas de cognição social. Nessas aulas, pude entender um pouco melhor o porquê de no Brasil termos alguns “problemas” no sistema de ensino ou até mesmo no sistema judiciário. É devido a alguns traços culturais e que enfatizo, aqui, o individualismo versus o coletivismo. A sociedade americana, por exemplo, é individualista. Por isso, seu sistema de ensino é baseado na meritocracia com ênfase total no indivíduo e na competição. E isso não se parece, e muito, com o sistema chinês que você descreveu? Apesar de a China apresentar-se como uma sociedade coletivista, lá eles enfatizam o mérito e o esforço individual com alvo no coletivo. E o mais interessantes, é que, nessas duas sociedades, você vê um bom funcionamento dos sistemas educacionais, de implantação das leis e de desenvolvimento social. No Brasil, a sociedade pode ser caracterizada pelo coletivismo, mas numa outra linha, pois entra em jogo a extrema afetividade em detrimento da objetividade para tratar do coletivo. Em nossa cultura, a afetividade exerce papel central e, por vezes, isso é prejudicial ao coletivo. Por exemplo: eu beneficio parentes e/ou amigos quando estou no poder, eu defendo meus parentes e/ou amigos mesmo que estejam errados pelo simples fato de gostar deles. E por aí vai. Se numa defesa de tese um professor convidado disser que o trabalho sob análise não está bom ou que precisaria ser refeito em algum ponto, o aluno sob avaliação e seu orientador provavelmente ficarão chocados e, em alguns casos, até cortarão laços com o avaliador que teve a “coragem” de fazer isso. Já nos EUA, por exemplo, o avaliado e seu orientador possivelmente levariam isso para o lado profissional e enxergariam tais observações como uma “ajuda” ou como “eu não fiz direito o meu serviço”.
    Aff!
    Já fiz outro post! rs rs rs

    Tudo isso pra dizer que seu texto foi positivamente instigante, esse assunto é muito intrigante e ótimo de ser discutido. Inclusive entre os professores do ensino básico de todo o Brasil, pois nosso país em si já é um continente em termos culturais. Imagina o caldeirão que há para ser remexido aqui!

    Beijo

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  2. Ai, quando eu disse da generalização que você faz quando cita Ocidente e Oriente, eu quis dizer que Ocidente em si e Oriente em si já apresentam bastantes diferenças, ou seja, se formos comparar China, Japão e Índia, por exemplo, encontraremos imensas diferenças. Certo?

    Beijo

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    1. Ora, ora, foi um comentário instigante. Concordo, usei o termo ocidente de forma mais genérica e imprecisa mesmo, até para deixar o título menos obscuro. E acho que é importante principalmente ter consciência dessa profundidade ou da ausência dela.

      A diferença cultural é o que eu chamaria de assunto-cebola justamente porque há várias camadas de precisão. No caso estou me referindo as diferenças entre o ensino ocidental, que basicamente herdamos dos europeus, e as culturas do oriente influenciadas por Confúncio. Claro que sempre dá para ir mais fundo, creio que é o que leva esses estudos transculturais para o reino dos doutorados e além.

      Agora me pergunto, será que no Brasil teremos que mudar nossa cultura, adequar nosso sistema de ensino à essa cultura ou puxar ambos os lados até um denominador comum? Ando ruminando um pouco sobre cultura brasileira para comentar num próximo post.

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      1. Renato,
        estudos transculturais são muito interessantes realmente. Em linguística temos a Courtney B. Cazden – veja mais em http://www.gse.harvard.edu/faculty_research/profiles/profile.shtml?vperson_id=47 e também Brian Street – veja mais em http://www.kcl.ac.uk/schools/sspp/education/staff/bstreet.html

        *
        *

        Conversando com o Fábio, que faz japonês na UnB e está estudando a alfabetização em japonês para estudantes brasileiros para fazer o trabalho final de curso -, ele afirmou categoricamente que o sistema de ensino no Japão (deve ter mais gente do oriente nisso) – é extremamente rígido no tocante à repetição, já que, para além da cultura, ou como parte dela, o sistema de escrita deles é ideográfico/logográfico. Só para se ter uma ideia, um adulto japonês, por exemplo, precisa saber no mínimo 2000 kanjis para poder “se virar” – trabalhar, estudar, ler placas, livros, jornais e revistas, ver TV. A alfabetização nas escolas japonesas vai até o correspondente ao nosso ensino médio. Como um cidadão japonês vai conseguir sobreviver na sociedade altamente letrada e com uma escrita bastante complicada? Repetindo, ué! Para “decodificar” kanjis, obviamente que você deve decorá-los. E para escrevê-los? Repetindo, ué! Bem pior que o sistema alfabético para aprender. Nós temos um alfabeto relativamente simples em relação aos sistemas de escrita chinês e japonês – 25 letras contra mais de 40mil kanjis japoneses e 160 kanjis mais básicos. Fora os katakanas e os hiraganas. É mole?! NÃO! Os alunos têm mesmo de repetir bastante, de treinar, treinar e treinar! rs. Eu nem reclamo quando lembro dos velhos ditados e treinos de palavras escritas em desacordo com a norma ortográfica vigente, pois é graças a esse ensino que eu (re)conheço muito nossa ortografia. O letramento continua a vida toda – e eu aprendo todo dia um pouquinho com as várias leituras que faço, com as várias discussões que travo e com as várias pessoas que conheço.

        *
        *
        Respondendo à sua questão final: não acho que devemos mudar nossa cultura, devemos ensiná-la direito aos nossos alunos desde a primeira série – banir aquelas coisas mais senso comum tipo vestir o menino com um cocar no dia dos índios ou pintar uma árvore no dia da árvore. Isso não leva ninguém a ser um cidadão crítico e autônomo. Nossa escola precisa ser mais interessante e estudar o que realmente importa, de forma multidisciplinar, séria, competente e atrativa.

        Eis outro post! rs
        Um beijo

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  3. Interessante como a necessidade de aprender pode ser útil em outras coisas não? Pelo que entendi então, a necessidade de aprender um língua complexa acaba ajudando-os a se tornarem alunos disciplinados e esforçados, o que tem várias outras aplicações.

    O que me lembra uma teoria de um economista, que não me lembro o nome que relaciona a rápida industrialização dos países protestantes com a liberação do acesso à bíblia. Como as pessoas passaram a ler a bíblia diretamente, sem a figura de um padre mediando esse acesso, elas tiveram um incentivo à leitura, com forte impacto na alfabetização, elas passaram a ter motivação para estudar. Outra coisa que observei é que algumas tradições protestantes incentivam a discussão e análise de textos bíblícos, o que incentivaria a reflexão e aprendizado mais centrado no estudante. O que é diferente o modelo instrucional e centralizado da igreja católica.

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    1. Olá Lara, de fato não explica, porque não é esse o objetivo do texto. É um conceito complexo e se quer saber mais sobre cultura recomendo a àrea de antropologia.

      O objetivo foi tratar um pouco das diferenças educacionais entre o ocidente e oriente, o que passa pela questão cultural. Mas como a Caroline falou nos comentários, a área de estudos transculturais é tão complexa quanto interessante e abordar o assunto em profundidade é tema para um artigo ou livro, indo além do objetivo deste humilde blog. Em todo o caso deixei minha fonte, o livro do Jarvis, justamente para ajudar quem deseja se aprofundar no assunto.

      Boa sorte em sua busca. Sugiro definir claramente o que deseja saber, isso vai melhorar muito a qualidade do que vai encontrar.

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