Creio que é justo dizer que no primeiro semestre de 2023 o Brasil passou por um surto de ataques à escolas, vários deles resultando na morte de crianças e professores. Desde 2002 foram observados 22 casos, sendo que mais da metade deles ocorreu nos últimos dois anos. Parece que adotamos um horrível hábito americano o historiador Luiz Felipe Alencastro definiu como a “americanalhação”: a adoção das piores características do EUA.
Como bem observado pelo Thomas Conti estudar esses casos é algo difícil. Apesar da intensa cobertura são casos muito raros considerando o imenso número de estudantes e escolas. Ainda assim, alguns padrões podem ser observados, para deixar mais bonitinho resolvi chamá-los de pressságios. Entender esses padrões é fundamental para reduzir o número de casos.
Maus presságios
1- Saúde Mental
Esse surto também é reflexo dos problemas de saúde mental no país. Estamos em primeiro lugar mundial no quesito ansiedade e em quinto em depressão. Algo agravado com isolamento da pandemia. Isso certamente afetou ainda mais os adolescentes, que perderam convívio social justamente numa fase da vida em que isso é muito importante.
Quando as escolas retornaram ao ensino presencial em 2021, perguntei para um professor de educação física como estavam os alunos: ele respondeu que observava vários problemas de socialização e resiliência mental. Vários alunos pareciam ter “desaprendido” a conviver em grupo. Há vários exemplos que me parecem corroborar:
- o caso de Recife, onde 26 alunos de uma escola pública tiveram um surto de pânico coletivo logo após o retorno às aulas presenciais e provas;
- relatos de brigas generalizadas em escolas de diversos estados. Imagine isso num ambiente que já tem pouco suporte como a escola pública, onde o risco de violência já afeta professores há um bom tempo.
Entre os recentes estudos sobre atentados em escolas observou-se que é comum que os assassinos sejam alunos do sexo masculino (em todos os casos observados), socialmente isolados, com baixa autoestima e, com base em bilhetes e material encontrado na internet, com uma tendência ao narcisismo.
Sei que pode soar contraditória a ideia de um narcisista com baixa autoestima, mas o ser humano é contraditório mesmo. Pesquisas sugerem que o comportamento narcisista pode não ser um sintoma de amor próprio extremado, mas de insegurança, baixa autoestima e necessidade de autoafirmação. A psicologia define dois tipos de narcisista:
- o grandioso, que se acha melhor e;
- o vulnerável, alguém que acha que devia ser o melhor mas lida todos os dias com evidências de que é uma pessoa comum, odiando a si e ao mundo por isso.
Esse segundo tipo me parece aquele com mais chance de fazer um ataque. Acredito que um ataque à escola é o ato de alguém que acha que devia ser melhor que os outros mas não é reconhecido dessa forma. Na verdade provavelmente é considerado alguém estranho ou desagradável e tenta resolver essa contradição na forma de vingança e assim conseguir uma última forma de reconhecimento. Some isso aos problemas circunstanciais anteriores que deterioraram ainda mais a situação mental de alguém que já seria normalmente complicado. Dessa forma, a busca pela fama e o destaque que a mídia oferece a esses casos, atrai esses narcisistas como moscas.
2 – Radicalização
Tenho dificuldades em dizer se a polarização política que jogou o país em um governo de extrema direita em 2018 foi causa ou consequência de um bem-sucedido processo de radicalização aplicado ao Brasil. Esse processo ocorreu especialmente a partir das ferramentas de comunicação digitais, como as redes sociais. Terraplanistas, antivacinas, pseudocientistas e enganadores de todos os tipos encontraram o ambiente perfeito para a difusão de suas ideias e recrutar seguidores. O livro Tempestade Ideológica é um dos que descreve o complexo ecossistema de radicalização que foi instalado no Brasil e em vários países do mundo nos últimos anos.
Muito desse trabalho me lembra a máquina de propaganda digital criada pelo estado islâmico anos atrás, que serviu para recrutar agentes do tipo “lobo solitário” que realizaram ataques em vários países de europa. Os resultados dessa máquina variavem de europeus que foram lutar na Síria a ataques suicidas com facas e armas de fogo em cidades européias. Muitos desses ataques foram feitos por cidadãos europeus que se radicalizaram via internet, o que tornava mais difícil identificar os terroristas e os ataques imprevisíveis. Dentre as várias vertentes de extrema direita, o facismo encontrou uso para essas ferramentas e para alcançar esse público. É importante que notar houve pelo menos um caso recente em que o assassino usou símbolos nazistas e material neonazista foi encontrado na casa de outro candidato a assassino que havia ameaçado cometer um atentado.
Bons presságios
- Operações de inteligência, especialmente o monitoramento digital pelas polícias, já levaram a diversas investigações e parecem ter pego alguns assassinos wannabe antes de estarem prontos.
- A pressão por alguma regulamentação das big techs aumentou, várias delas foram acusadas de serem omissas em relação a esses grupos de ódio. O monitoramento vai tornar esses eventos menos prováveis ou, pelo menos, permitir que sejam impedidos antes que ocorram.
- A mídia parece estar aprendendo e se refreando em oferecer o palco que os bandidos tanto desejam.
Para ilustrar como o problema pode ser resolvido, algumas descobertas de um estudo do serviço secreto americano, de 2002, corroboram esse presságios, os grifos são meus:
- Incidentes na escola raramente eram atos repentinos e impulsivos;
- Antes da maioria dos incidentes, outras pessoas sabiam a respeito da ideia;
- A maioria dos autores dos crimes não ameaçavam suas vítimas diretamente antes de realizarem o ataque;
- Não há um perfil preciso e útil de alunos que tenham praticado violência escolar;
- A maioria dos autores dos crimes teve comportamentos prévios preocupantes ou indicou necessidade de ajuda;
- A maioria dos autores dos crimes tinham dificuldades em lidar com perdas ou falhas pessoais, muitos tinham histórico com suicídio;
- Muitos dos autores dos crimes se sentiam intimidados, perseguidos, ou feridos por outros;
- A maioria dos autores dos crimes tinham acesso e já haviam usado armas;
- Em muitos casos, outros alunos estavam envolvidos de alguma forma;
- Apesar das respostas imediatas da lei, a maioria dos ataques foram interrompidos por outros meios, não pela intervenção policial.
Conclusão
Como disse antes, acredito que estamos no meio de um surto, isso significa que o problema deve diminuir, porém os EUA mostram como é algo que está longe de desaparecer. Acredito que devemos encarar os atentados como um evento terrorista. É muito difícil impedir depois que se iniciou, ainda mais porque vários dos assassinos demonstram tendências suicidas.
Outro problema é o curto tempo de reação, no caso de Blumenau o assassino levou 20 segundos para atacar a maioria das vítimas. Foi contido, mas o estrago já estava feito. Ainda que seja algo horrendo me parece o perfil dos atacantes está se tornando mais incompentente, os últimos casos parecem ter sido menos planejados, com menos equipamentos e menos mortes. Vários dos bandidos recentes se rendem e não morrem, o que permite estudar o que acontece com eles e, eventualmente, evitar casos futuros.
Sei que muita gente acha triste treinar para casos assim, mas negar uma realidade desagradãvel não vai mudar as coisas. Um mínimo de treinamento e defesa pessoal pode reduzir muito o estrago causado por esses eventos e desestimular outros. Não precisa ser ensinar a enfrentar um atacante armado, as crianças não vão virar o batman ou o coringa, mas o suficiente para não paralizar de pânico durante um incidente. Com o devido treinamento filosófico isso ainda poderia ajudar na redução da violência nas escolas.
Ainda que possam resolver os problems de curto prazo, o custo monetário e humano de se blindar as escolas com medidas como detectores de metal, armar professores, policiais armados dentro das escolas ou denúncias internas pode reverberar mal em piorar ainda mais as condições de saúde mental em ambiente escolar. E como visto no relatório americano, essas medidas tem pouco efeito.
Assim, é preciso trabalhar tanto ações de curto prazo, que devem durar pouco, como ações de longo prazo que tornem o surgimento de novos assassinos mais improvável. Atacar as redes de apoio e radicalização é um ponto fundamental, elas não podem se esconder sob o guarda-chuva da live expressão e devem ser julgadas como o que são, redes de recrutamento terrorista.
Alguns podem dizer que não há um objetivo político desses casos, mas acho que o extremismo de direita tem seus interesses e acredito que estejam se aproveitando do medo para seus próprios interesses, como promover o pânico e acusar o atual governo de negligência. Mudo de ideia quando aparecerem assassinos gritanto “viva a revolução”.