Tudo começou uma jogatina de sábado à noite. Quando vi que era o título de um jogo de tabuleiro esperava algo sobre o luxuoso palácio no período de Luiz XV. Porém, a data e o local se referem as negociações que resultaram no famoso Tratado de Versalhes, a continuação do armistício declarado em 1918 que acabou com a primeira guerra mundial. Porém, a paz frágil resultante dessas negociações ecoou, e muito, ao longo do século XX.

Cada jogador é uma das quatro potências vencedoras: Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália. O jogo versa justamente sobre as negociações que produziram o tratado e acho que a ausência da Alemanha com potência jogável é proposital. Esse é um jogo de diplomacia e política internacional onde os vencedores lutam para atender suas próprias agendas no conturbado mundo pós-primeira guerra.
Em termos de mecânicas, Versailles é um jogo complexo, envolve gestão de recursos, controle de área, batalha com cartas, negociação, leilão, entre outras. Por, exemplo influência é um recurso a ser empregado, bem como tropas a serem dispostas pelo globo. Mesmo com apenas 4 jogadores, é um jogo com muitas variáveis a considerar e um razoável grau de imprevisibilidade. Sempre pode surgir uma crise em sua área de interesse, ao mesmo tempo que manter tropas mobilizadas torna sua população infeliz, o que é um problema. Assim, é preciso equilibrar os interesses externos.
Considero que é um jogo de guerra que observa o aspecto macro, o estratégico, evitando as minúcias de posicionamento ou tipos de tropa. Ainda assim, simula um cenário político e diplomático intrincado onde as regras, apesar de extensas, são bem contextualizadas historicamente para simular as questões do período. É preciso negociar muito com os outros países, aproveitar oportunidades, lidar com contingências, como revoltas (que ficam mais prováveis ou improváveis de acordo com o seu uso de tropas) e ficar sempre de olho na felicidade da população. Assim, saber história ajuda muito para na primeira partida e, no meu caso, foi ainda mais legal por estar jogando com professores de história. Eu achei que o jogo descreve muito bem a frase de Clausewitz sobre a guerra ser a continuação da política por outros meios e também a ideia de que países não tem amigos, mas interesses. O que é visível ao lidar com revoltas ou estabilizar regiões. A qualquer momento pode aparecer um Ho Chi Min tentando libertar o Vietnã do jugo colonial ou ocorrer um desastre natural. A depender das circunstâncias, qualquer uma das situações pode atender seus interesses ou muito pelo contrário. Assim, determinado país pode ter interesse em ter uma região pacífica ou preferir deixar que problemas ocorram na área de influência dos concorrentes.
Em diversos momentos será simplesmente inevitável prejudicar os interesses alheios e, para manter a fidelidade histórica, os interesses divergem de acordo com o país escolhido ou objetivo assumido. Esse é um jogo assimétrico e cada país tem objetivos diferentes. Assim, é preciso reconhecer a situação do momento, perceber para onde ela aponta e lidar com uma boa dose de gerenciamento de risco, tudo isso com direito a concorrentes tentando passar na sua frente e eventualmente tentando te passar a perna.
Na minha partida eu fui a França (peças azuis), que queria ganhar o máximo com reparações, foi o primeiro país a desmobilizar exércitos para aumentar a popularidade do governo. Teve vários interesses na região dos Balcãs, brigou diversas vezes com os Estados Unidos (brancas) por influência global, negociou com a Inglaterra (vermelhas) e Itália (amarelas). Ainda assim fiquei em quarto lugar no jogo, o primeiro ficou com o Reino Unidos. Considerando que era a primeira vez, achei um resultado bem aceitável.
O uso educativo
Em termos de uso escolar acredito que o aspecto mais desafiador é justamente o primeiro jogo, em que os jogadores vão precisar lidar com muitas regras e ainda atentar para os aspectos históricos. Digamos que a curva de aprendizagem inicial é muito exigente para quem não costuma a praticar esses jogos.
Como já observei nos meus tempos de projeto, a solução para tornar a aplicação viável seria o treinamento prévio de facilitadores em número suficiente para apoiar um partida e o número necessário de jogos. Assim, para uma turma de graduação com 20 alunos seriam necessários 5 jogos, 5 facilitadores e algo em torno de 2 horas de tempo para uma sessão de jogo razoável. Uma opção trabalhosa mas interessante seria o professor que conduz a atividade aplicar o conhecido house rules simplificar, abrindo mão de algumas regras para se concentrar em ensinar algum tópico específico: como nas de negociação e abrir mão das ocorrências inesperadas. Claro que isso não é algo trivial. Pelo contrário é algo que deve ser feito com muito cuidado e por alguém que já conhece o jogo e de forma previamente planejada. Afinal, existe todo um equilíbrio de regras que foi planejado pelo designer.
Em termos de esforço eu diria que uma primeira partida é praticamente um crossfit cognitivo. Sei que isso pode soar restritivo ou mesmo desagradável, mas me talvez seja um bom objetivo de longo prazo para os alunos, considerar o esforço mental como algo normal ou até mesmo divertido, e não o contrário. Além da informação histórica seriam aprendidas diversas habilidades mentais interessantes.
Considerando que o André Leme terminou nosso jogo dizendo que “falhamos em impedir a ascensão do fascismo na Europa”, algo bem similar ao que aconteceu no mundo real, concordamos que um exercício didático interessante seria anotar os “fatos” que ocorrem ao longo do jogo e descrever como uma narrativa histórica. Um exercício pessoal que o Daniel Gomes me falou que já fez algumas vezes.
Apesar da complexidade do tema e das regras restringirem o público-alvo, acredito que o jogo é excelente para mostrar para os participantes como funcionam as “engrenagens” de história. Achei perfeito para mostrar como a diplomacia e a política não são fáceis, mas ainda assim, são uma alternativa melhor que a guerra total. Em termos de gestão eu achei excelente para acostumar os jogadores com a ideia de que não se pode controlar tudo e que, muitas vezes, outras pessoas/países/grupos de interesse tem interesses legitimamente antagônicos aos seus e, ainda assim, é preciso negociar. Nesse aspecto é uma excelente descrição de como a política é a arte do possível e que se é ruim com ela, com certeza, sem seria muito pior.

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