Um pouco sobre política


Nas últimas semanas pude assistir à “longa e intensa” campanha eleitoral para o parlamento inglês que terminou por substituir o primeiro ministro e resultar no primeiro parlamento sem maioria decisiva desde 1945, o que eles descrevem como “hung parliament”. Mas o detalhe que realmente me chamou a atenção foi a diferença entre propostas de candidatos, os Conservadores britânicos fazem propostas que iriam arrepiar qualquer marqueteiro político brasileiro com argumento como:

  • “vamos cortar os benefícios daqueles que se recusam a trabalhar”;
  • “vamos cortar o déficit no sistema de saúde, não o sistema de saúde” ou
  • “vamos restaurar a disciplina nas escolas”.

São propostas de direita e que não me parecem tão distantes do cenário brasileiro. Não pretendo entrar no mérito de serem boas ou ruins, mas sim no fato que são idéias, elementos que levam o debate a um nível diferente e além da discussão ad hominem rastaquara do Brasil. Descrita pelo Pax como a briga para dizer “seu corrupto é pior que o meu”.

Sinceramente não acho que um partido conservador no Brasil nesses moldes seria algo de todo ruim, a oposição brasileira está totalmente perdida desde que perdeu o executivo federal e simplesmente não pensa em nada diferente para recuperá-lo. O resultado é uma massa considerável de brasileiros ressentida, desarticulada e sem representação, um grupo que pode futuramente ser tentado ao terrorismo, ditadura ou secessão.
No fundo, o que vejo é que um grupo, justamente esse na direita de classe média ainda não sacou como democracia funciona. O país é cheios de blogueiros, colunistas e comentaristas e outros istas. Estou cansando de ler zé-manés dizendo que “o povo não sabe votar” que demonstra apenas que depois de nossas décadas de regime democrático não entenderam ainda que a chave da democracia está na articulação e participação política, não no simples votismo. Tem gente que acha que democracia é justa sem ter de se levantar da cadeira.

Essa por sinal é uma sacada que os sindicalistas, estudantes e outros grupos já descobriram há muito tempo. Quando a AIDS fez seu estrago alguns grupos como gays e hemofílicos se articularam e pressionaram os governos, o resultado é que o Brasil desenvolveu um poderoso programa anti-aids, por muito tempo uma das maiores e mais eficientes estruturas dentro do Ministério da Saúde. E porque malária, que deve matar até mais, não tem um programa semelhante? Simplesmente porque os atingidos não conseguem fazer a mesma pressão.

Enfim, pode soar óbvio mas Democracia não é votar de 4 em 4 anos, mas se articular para fazer valer seus interesses, mas os zé-manés que ainda escolhem presidente, deputado e senador com quem contrata encanador acreditam que, porque pagam imposto, o policial devia lhes fazer massagem nos pés quando entram numa delegacia ou qualquer outro funcionário público. Aquele argumento descrito na frase “eu pago seu salário’. Isso é a clara demonstração de que não entenderam até hoje como o sistema funciona. De fato democracia não é um jogo de damas no convento, como dizia Churchill: democracia é o pior sistema de governo, à exceção de todos os outros. Se querem um governo indicado por Deus tentem monarquia absolutista ou teocracia, mas esses prometem e não necessariamente entregam.

Por isso quando vejo os velhos generais à beira da reforma reclamando da falta de recursos para as forças armadas ou clamando por uma direita mais nacionalista me pergunto porque eles não prestam seu serviço para o país onde seriam muito mais úteis. Na política, fora dos castelos seguros dos quartéis, no campo de batalha dos congressos, palanques, assembléias. Se desejam ser patriotas é nesses locais que o país precisa deles. Lá podem enfrentar os “terroristas”, “comunistas” e comedores de criançinha de plantão de igual para igual, não vão ter a mordaça da disciplina militar nem os galões do cargo. O mesmo se vê com os colunistas e articulistas, que preferem ficar seguros em suas torres de marfim, dizendo o que os leitores gostariam de ouvir e garantindo sua audiência.

Ainda que reclarmar seja algo importante e necessário, reclamar do horário do trem é mais fácil que ajudar a fazer o trem chegar no horário, que é o que precisamos atualmente.

4 comentários em “Um pouco sobre política

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  1. Renato,
    achei seu texto muito interessante.

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    Concordo em parte com o que diz, porque as palavras têm um poder muito grande. É importante escrever sobre determinadas coisas. Falar sobre os políticos corruptos, sobre a falta de criticidade da população, sobre a inexperiência com voto, sobre o mercado de votos, sobre a cultura do jeitinho, sobre a falta de coletividade é uma forma de ação. Falar é uma ação. Claro que falar apenas criticando não vai resolver muito. O que acredito mesmo é em Educação. Não adianta, sem Educação esse país não vai sair desse ritmo que anda – excluindo-se a economia, que dizem que anda muito bem, obrigada [ai ai!]. A começar pelos nossos professores, que precisam de um banho de história e filosofia.

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    Falando sobre as eleições inglesas, sabe o que mais me chamou atenção? Eles votam por uma cédula que chega em casa via correio! Gente, isso seria inimaginável no Brasil! Já pensou o tanto de fraude?! Aí fiquei curiosa pra te perguntar: aí tem fraude?

    Continue escrevendo.
    Bj

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    1. Eu não nego a importância de recuperarmos a liberdade de falar ou escrever, foi um dos ganhos mais básicos da Democracia, mas vejo como o início de um processo enquanto muita gente transformou isso num fim em si mesmo. Fala-se para ofender o adversário, não para solucionar problemas.

      Sobre o sistema inglês, nisso ele é semelhante ao Americano, com essa história de voto postal. Imagino que o sistema tem algum tipo de auditoria, que é o que realmente define se vai ser confiável contra fraudes ou não, mas não faço idéia de como funciona.

      Inclusive, a imprensa está querendo torcer o pescoço do Clegg, do partido liberal democrata, acusando-o de oportunista e duas-caras, igualzinho certos políticos tupiniquins. Tem coisas que só mudam de endereço.

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  2. Você sabe que essa questão de ter duas idéias diferentes para provocar um debate é muito importante. Tenho visto no cenário político Brasileiro, agora que as eleições se aproximam, um fenômeno preocupante. Não é um fenômeno necessáriamente novo mas, o que chama a atenção é que dois partidos com ideais, posturas , idéias diferentes estão prestes a fazer alinças… O PT e o PMDB. Embora o PMDB tenha sido partido de esquerda em épocas passadas, lutando contra a ditadura militar e outras coisas, ele se tornou aquilo que lutava contra, formado por direitistas convíctos e com idéias antagônicas às idéias do partido de esquerda que hoje é referência de luta pelas classes trabalhadoras, o PT. Ainda que alguns digam que alianças são necessárias para vencer um inimigo em comum, não acho que é correto e nem benéfico haver essa fusão de idéias, extinguir os dois lados para formar uma frente. O que me preocupa é a questão do esvaziamento do debate(dois lados), da construção de uma classe dos políticos(frente), TODOS com as mesmas idéias, sem renovação, corporativa e nosciva à democracia que nos é tão cara. Infelizmente, prevejo tempo tenebroso para o cenário político do Brasil. Não externamente mas interno, às escuras, mascarado.

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