Introdução
Tempos atrás, participei de uma oficina de planejamento no trabalho. Foi preciso trazer pessoas das unidades da empresa espalhadas pelo Brasil. Para poder pensar no futuro e planejar com detalhes, é preciso se afastar da gravidade esmagadora das obrigações cotidianas. Por isso, esse tipo de evento é feito fora do ambiente de trabalho. Esse distanciamento serve para dar um pouco de perspectiva sobre o que fazemos.
E por mais que eu goste de teletrabalho híbrido, eu admito que ver aqueles pequenos rostos das videoconferências ganharem corpo e forma aprofunda os vínculos. Também ajuda a justificar aquele clichê sobre uma organização ser essencialmente as pessoas que fazem parte dela. Ver a diversidade de pessoas e a extensão de locais espalhados pelo Brasil afora ajuda a entender como é grande o grupo do qual fazemos parte. O que é importante para sentirmos que realmente temos chance de cumprir os desafios que recebemos.
Afinal, é isso que justifica o planejamento. Metas grandes e complexas só serão atendidas por grupos enormes e com atribuições diversas. Essa engenharia burocrática (no sentido positivo) que se desdobra em objetivos, foco, colaboração e organização, resultados e mensurações é o que permite que humanos façam coisas complexas e tenhamos ido muito mais longe do que a vida tribal permitia.
Participando de uma Dinâmica de grupo
Dentre as várias atividades que fizemos, tivemos uma atividade de integração em grupo, conduzida pela consultoria Amana-Key. Essas atividades são comuns em eventos desse tipo, geralmente planejadas com o objetivo de colocar os participantes em uma situação diferente da usual para incentivar a reflexão e a formação de equipes. Interagir e produzir algo com alguém é uma excelente forma de conhecer e criar laços.
Outro excelente exemplo desse tipo de experiência que já participei foi a a dinâmica game jam que participei anos atrás para construção de ideias de jogo para capacitação. Para tirar as pessoas de sua zona de conforto, geralmente as informações e o tempo de atividade são limitados, obrigando-as a focar e a ser mais objetivas e produtivas. O processo é mais importante que o resultado.
Produzindo mandalas
Nosso objetivo era produzir mandalas que seriam colocadas na parede da sala da gerência. As mandalas são conjuntos de formas circulares, vistas como um símbolos de cura e espiritualidade e usados para focar a concentração da prática meditativa em religiões asiáticas. Fomos divididos em grupos de forma arbitrária, de modo a ter o mínimo de conhecidos possível. Afinal, a ideia é sair dos grupinhos e conhecer pessoas novas. O trabalho tinha dois dias: o primeiro foi para definirmos o tema e a proposta da nossa mandala. Foi recomendado que escrevêssemos e deixássemos documentação explicando a proposta. O material era composto por pincel, lápis e papéis para escrevermos a proposta, diversos tipos de sementes (com formas, tamanhos e cores variados), cola e uma grande prancha de madeira onde as sementes foram coladas na forma da mandala planejada.
Devo admitir que fazer essa experiência é interessante para observar o comportamento humano em um microcosmo. Cooperar é quase um instinto natural nosso; ninguém gosta de ser visto como preguiçoso nessas situações. Quem não quer participar simplesmente some da sala. Nesses momentos, é possível entender como um grupo de primatas de savana magrelos conseguia enfrentar animais muito mais fortes e ir para o espaço milhares de anos depois.
Depois de uma rodada de conversa, e uma certa pressão em cima de mim por ser o designer do grupo, eu sugeri a Yggdrasil, a árvore da vida da mitologia nórdica. O grupo topou a ideia e começamos a preparar o desenho. Usei a borda das folhas como régua para fazer linhas retas e uma colega com experiência em TI teve a ideia de usar os lápis e cordões de crachá para fazer um compasso. Fomos preciso o suficiente para fazer um esboço viável.
Em seguida tivemos um discussão, amigável, sobre começarmos a colocar as sementes ou se poderíamos parar nesse ponto e continuarmos no outro dia. Uma colega foi assertiva no ponto que devíamos avançar tanto quanto possível, se dispondo a começar a colagem. Sugeri que se fosse começar o melhor seria fazer pelo tronco, que estava justamente no centro e ajudaria a garantir a forma no outro dia. Ela fez questão de dar o exemplo e começar, eu nem imaginava como ela estava certa.
Reviravolta
No outro dia veio a surpresa: os grupos foram trocados de lugar, deveríamos continuar a mandala de outro grupo, de onde eles haviam parado. Eu confesso que achei algo. Afinal eu tinha começado a outra, gostei muito dela e queria continua. É humano, nós criamos apego pelo que fazemos, o investimento pessoal afeta nossa percepção de valor.
Quem pegasse a mandala nova deveria se basear nas instruções que do grupo que a iniciou. Para agravar, e deixar o meu apego mais evidente, eu achava a minha mandala original muito mais legal que a nova. Eu até brinquei comentando que essa situação era uma boa descrição da realidade: Quando você está no seu canto fazendo seu trabalho e de repente cai de paraquedas no trabalho alheio para resolver. Apesar de ter sido uma piada, de fato essa é uma situação bem comum na vida corporativa.
Ainda assim, comecei o segundo dia acometido por uma “nostalgia de minha mandala querida” e fiquei pensando no que o outro grupo faria com o trabalho que começamos. Detalhe: eu parecia ser o único a me incomodar com isso. Eu tinha uma colega no grupo novo e um pouco antes passei todas as informações sobre como chegamos na nossa ideia. O que me deixou mais tranquilo para me dedicar à mandala nova.
A nova mandala estava mais avançada do que a nossa, o que facilitou na nossa vida. Por outro lado isso também cria uma certa inércia, tendemos a completar o que já está feito e manter a direção geral do grupo anterior. O que mostra a sabedoria da minha colega de grupo no dia anterior que insistiu em começar o trabalho da árvore.
Depois de lermos à documentação, nos dedicamos com afinco à produção. Até quem era mais interessado em falar acabou se envolvendo na produção. Essa orientação humana para cooperar salta aos olhos nessas horas, métodos e divisões de tarefa surgem e quanto mais gente trabalhando menos gente quer ser vista como ociosa. É possível ver quem é indeciso, quem lidera, que se atém aos detalhes, quem observa o todo, o ser humano se complementa. O processo em grupo parece aumentar ainda mais a gostosa sensação descrita por Mihaly Csikszentmihalyi em a Teoria do Fluxo, quando estamos tão concentrados e motivados que perdemos a noção da passagem do tempo.
Finalizações
A nova mandala ficou pronta, com algumas pequenas diferenças em relação ao projeto original. O grupo anterior havia planejado que umas certas figuras fossem peixes, mas as sementes não permitem detalhar muito e nem imaginamos peixes numa mandala de sementes. Talvez seja um reflexo do material, mas a maioria dos grupos tendeu a temas mais relacionados à terra, agricultura e vegetais.
Trabalho finalizado, fui ver como ficou a razão do meu apego, a Yggdrasil. Procurei minha amiga no grupo que assumiu o término do trabalho. Ela disse que passou minhas dicas para o resto do grupo, mas eles simplesmente preferiram não seguir minhas dicas, se atendo apenas a documentação e completaram o trabalho como acharam melhor. Como agravante ainda escolheram o nome “Origem” para a minha mandala. Detalhe, um dos nomes que estava na lista. Após uma breve sensação de afronta, percebi que por mais que a documentação exista sempre existe um grau de interpretação e iniciativa que são prerrogativas de quem assume qualquer trabalho.
Conclusão
O resultado dos trabalhos está na entrada da sala de gerência. A diversidade e qualidade dos resultados me surpreendeu, inicialmente estava assaltado pela sensação que aquilo seria um desastre ou faríamos algo inferior um turma de nível fundamental. Ainda mais considerando a situação em que foram produzidos. O que dá o que pensar sobre diversas construções humanas.
Os belos resultados que temos no dia a dia podem ser resultado de processos muito menos lineares e engessados do que pensamos. Todo mundo gosta de falar em inovação, mas é um processo incerto e arricado, fácil se falar e difícil de fazer. Criar talvez seja até um pouco mais caóticos que gostaríamos, mas ainda assim surpreende e dá uma visão um pouco mais esperançosa sobre os desafios que todos temos pela frente .
Mais do que quadros na parede, acredito que os objetivos de integração propostos para dinâmica foram cumpridos. Nada mal para 2 turnos de trabalho feitos com o mínimo de tempo e planejamento.
Eventos desse tipo funcionam como uma rodada de apresentações, nada melhor para conhecer as pessoas do que resolver problemas com elas. Certas reuniões ficaram mais desenvoltas depois do evento.




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