Nesses tempos de influenciadores cheios de dicas sobre o que pais e mães devem fazer, colocando um monte de carga em cima desses dois, acho importante lembrar que há outros atores cruciais no desenvolvimento infantil. O papel das outras crianças é especialmente subestimado. Para mostrar esse outro lado, segue mais uma resenha, com muito de tradução, de um artigo do Dr. Peter Gray, um pesquisador de educação e defensor da livre aprendizagem infantil. Além de, obviamente, ser fonte de outras resenhas por aqui. Seu texto começa com uma bela citação:
“Eu pago o professor, mas são os colegas de classe que educam o meu filho”.
Ralph Waldo Emerson

Considerando a própria experiência do autor, na década de 1950, muito de sua educação veio das interações com outras crianças, geralmente afastadas do adultos. Ao longo da história humana e maiora das crianças, em todos os lugares e culturas passam muito mais tempo em companhia de outras crianças do que de adultos. Lições de vida cruciais vinham da observação, brincadeira, conversa, discussão e trabalho em conjunto com outras crianças. Algo que ele acredita estar diminuindo nas últimas décadas, com péssimos efeitos para o desenvolvimento infantil.
Como citado pelo Dr. Gray, a partir do 4 ou 5 anos as crianças começam a se interessar por outras crianças e para isso ele acredita ser necessário que ela fiquem algum tempo interagindo entre si a seu modo e em seus próprios termos. Nessa convivência eles aprendem a fazer e manter amigos, negociar, atender as próprias necessidades e ajudar outros a fazer o mesmo, lidar com valentões e, quando ficarem maiores, flertar. Em grupos de idades diferentes, os mais novos ainda aprendem observando e interagindo com os mais velhos enquanto esses últimos aprendem a cuidar e guiar. O autor tem vários artigos sobre o assunto observando o valor das turmas com várias idades e processos de educação infantil em tribos de caçadores-coletores primitivos.
Uma pesquisa com ex-alunos de uma escola democrática
A pesquisa foi conduzida com estudantes da escola democrática Hudson Valley Sudbury School (HVSS) no estado de Nova Iorque nos EUA. A escola é dirigida democraticamente por estudantes, famílias e funcionários. A partir dos 5 anos e durante a adolescência os estudantes tem liberdade para perseguir seus próprios interesses e interagir com quem desejarem.
O objetivo da pesquisa foi observar a experiência de ex-alunos na escola. Sobre o tópico das relações com outros alunos, duas perguntas foram apresentadas:
- Quais papeis outros estudantes da escola tiveram em suas experiências e educação na escola. De que forma eles contribuíram ou atrapalharam?
- Na escola estudantes de idades variadas são livres para interagir entre si. De que forma, se houve, essa variedade de idades contribuiu ou atrapalhou suas experiências/educação?
A imensa maioria, 36 de 39 estudantes, afirmou que eles valorizaram essas interações com outros estudantes e 31 disseram que conviver com crianças de outras idades contribuiu para o seu aprendizado. Entre os temas surgidos nas respostas observou-se que eles valorizavam as amizades que fizeram, as habilidades sociais, capacidade de colaborar, de se relacionar com pessoas de todas as idades e a visão de mundo ampla que ganharam com a diversidade de estudantes na escola. Das reclamações, feitas por um grupo menor estava o fato de serem poucos estudantes adolescentes em relação ao número de alunos mais jovens e que eventualmente alguns dos mais novos podiam ser umas pestes.
Pessoalmente, achei que citar os problemas, mesmo que poucos, torna os dados ainda mais realistas. Outro ponto que acho importante, foi ver como o Brasil perde em muito nos últimos anos com a questão da falta de diversidade nas escolas, tanto públicas como particulares. Muito da desigualdade política, social, racial e econômica, esse apartheid e tensão que nossa sociedade vive, poderia ser reduzido se alunos de diferentes contextos e origens pudessem conviver mais desde a infância.
Como o autor aponta, hoje muitas pessoas, especialmente crianças e adolescentes americanos estão sofrendo de solidão. Algo que me parece também ocorrer na classe média para cima no caso brasileiro. Para o autor, a falta de conexões humanas significativas está se tornando um problema de saúde pública nos EUA e ele acredita que boa parte desse problema vem de políticas que impedem que crianças possam interagir livremente entre si. Algo copiado pela mentalidade colonizada do brasileiro. Segundo o Dr. Gray, crianças segregadas por idade e sob constante supervisão e controle por adultos, dentro e fora da escola, são privadas de meios naturais de interação que eram usados antigamente para fazer e manter conexões humanas.
Nesse aspectos, escolas democráticas, comunitárias ou associativas seriam alguns dos poucos lugares onde crianças realmente podem ser crianças e aprender da forma para as quais tem mais propensão biológica. O autor acredita que precisamos de mais lugares assim. Muitos que entram nessas escolas vieram devidos a problemas psicológicos que surgiram durante as experiências emescolas tradicionais. Numa escola como a de Sudbury eles se recuperariam não apenas pelo apoio psicológico, mas também porque nesses ambientes os alunos tem outras crianças para conviver e estão livres da interferência constante dos adultos. Aprendendo a ficar confortáveis junto a outras crianças eles aprendem a ficar confortáveis consigo mesmos (grifo meu).
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