Introdução
Recebi um pedido de ajuda interessante da Suzana Berlim. Ela é médica pediatra especializada em UTI e ia apresentar uma exposição de fotográfica sobre o seu trabalho em um Congresso de Medicina Intensiva. Seu trabalho versa sobre a humanização no ambiente de UTI através da fotografia. Além de fotografar ela está estudando e praticando escrita criativa e queria incluir textos para descrever cada foto.
Uma das ironias do design é que muita gente entende o termo como algo próximo de “desenhar” mas, na verdade, o significado do está muito mais para “projetar”. Seja um livro, um folder ou um site, o que realmente fazemos é procurar uma solução para o problema que nos foi apresentado. Essa solução deve ser viável dentro dos limites de recursos disponíveis, como tempo e dinheiro. A ideia de limites pode soar frustrante ou constrangedora, mas também ajuda a dar forma e foco o que vai ser projetado. Nesse caso, a descrição de uma exposição fotográfica. O link para solução escolhida está no final desse texto.
O processo de criação
Para entregar uma solução, o primeiro passo é entender o problema, o que deve ser feito. Muitas vezes, o que o cliente precisa não é necessariamente o que está pedindo e entender isso faz toda a diferença. Conversando com a Suzana concordamos que o prazo era de pouco mais de uma semana. O evento já tinha data certa para acontecer e ela não teria muitos recursos. Pensamos em cartazes, arquivo de powerpoint exibido numa tela e cia. Uma sugestão da equipe de comunicação do evento foi colocar os textos na internet para serem acessados por QR codes.
Para isso funcionar seria preciso colocar os textos das legendas na internet. E foi quando pensei em criar um blog. Haviam diversas vantagens:
- já tinha uma certa experiência, justamente com esse aqui,
- pode ser gratuito e roda bem em várias plataformas: desde uma tela de 27 polegadas até celulares
- poderia continuar existindo além da exposição
- oferece potencial para alcançar uma audiência maior.
Além do conhecimento técnico em fazer as coisas, uma das habilidades necessárias em design é fazer as perguntas certas, necessárias para levantar as demandas necessárias para fazer a solução funcionar. Por exemplo, era preciso ter os textos e as fotos. Suzana me disse que não tinha todos os textos, mas isso não era problema. Disse que ela poderia me mandar os textos iniciais, eu faria a publicação e depois ela mesma poderia fazer isso à medida que escrevesse. A ideia de um blog é justamente oferecer um espaço de publicação na internet para gente sem experiência em webdesign.
Um nome foi um ponto de partida essencial, a primeira coisa de um blog é o nome que vai se tornar o endereço para que as pessoas encontrem o blog na internet. Ela se digladiou um pouco com a questão, nada como torturar um indeciso como pedir uma decisão. Meu trabalho foi ajudar ela a definir o que queria dizer, qual história ela queria contar. Isso seria importante para ajudar a identidade visual. Perguntas como essa, que geralmente não ocorrem ao cliente são os momentos em que o designer precisa cobrar decisões. Como, por exemplo, lembra-la enfaticamente que publicar fotos de crianças deve ser algo autorizado pelos pais. Como isso já estava resolvido, trabalhamos também com um pouco na padronização dos textos.
Como eu disse para Suzana, em design podemos criar a regra que quisermos, mas depois de criada essa regra deve ser seguida. Se a regra mudar ela deve retroagir para manter a consistência do trabalho. Isso garante que a pessoa navegue de forma previsível dentro do blog e consiga conectar as fotos que veria na exposição com os textos do blog. Essas regras também ajudam a conectar elementos diferentes, como imagens e textos de diferentes autores, criando uma identidade. Como o tempo era curto, usamos elementos simples, como as próprias fotos e o tom amarelo que ela usou na apresentação da exposição. Suzana já estava cheia de coisas para cuidar na exposição física em si então era preciso que o blog fosse simples, para ser feito dentro do tempo disponível, e fácil de usar para ela não perder ainda mais do seu limitado tempo aprendendo a usá-lo. Essa é outra coisa que se aprende em design: solução é o que funciona dentro dos recursos disponíveis e não o que é ideal.
Duas coisas que caracterizam a produção para eventos são: o prazo não negociável e o fato de que algo vai dar errado. Bons planos devem ser detalhados para evitar buracos, mas flexíveis para tapar os buracos que surgirem. Por exemplo, logo descobrimos que a organização do evento não poderia fazer um QR para cada foto. Seria apenas um QR code válido para todas as fotos. Ainda assim o blog serviria, com adaptações, eu incluí um “carrossel” virtual onde todas as fotos estivessem visíveis. Quando o blog estava pronto recomendei segurarmos o lançamento para o dia da exposição e garantir que todo o conteúdo fosse inédito. Afinal, naquele momento o blog devia ser um apoio e não a exposição em si.
A exposição
No dia da exposição surgiu o Naquele Instante, parte da exposição de mesmo nome apresentada em novembro de 2022. A exposição foi um evento belíssimo, com a participação de vários do fotografados e seus familiares. Também foi o momento de uma surpresa interessante: as visualizações do blog chegaram a mais de 900 no mesmo dia. O que dava uma boa ideia da visitação na exposição. Porém, mesmo depois da exposição terminar os acessos continuaram subindo e chegaram a algo em torno de 5000 no primeiro mês. E isso apenas com divulgação pessoal e a exposição em si, nenhum impulsionamento pago de conteúdo para inflar a divulgação.
Como esperado, após a exposição física o blog agora segue em vôo solo, eternizando a exposição. Suzana continua incluindo novas histórias e mais pessoas vão se interessando. Os milhares de acessos iniciais foram uma bem-vinda surpresa. Ela me agradeceu várias vezes por isso, mas o mérito foi todo do conteúdo.
Conclusão
Suzana está num lugar cheio de boas histórias, as pessoas que transitam por esse meio são muito capacitadas tecnicamente, mas são raríssimas as pessoas capazes de aliar essa competência técnica com o olhar e habilidade necessária para contar boas histórias. As famílias de seus pacientes podem fazer isso muito bem mas, por razões óbvias, tendem a focalizar em suas próprias vidas. Enquanto Suzana pode continua por lá quando as famílias vão embora. Acredito que foi essa mistura entre competência técnica e sensibilidade que torna suas fotos e textos tão únicos.
Como são histórias reais, nem sempre vão terminar com um “viveram felizes para sempre”. Mas vejo as histórias como uma celebração da importância de se viver. Afinal, ninguém realmente sabe quanto tempo tem. Design à parte eu efusivamente recomendo a visita.

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