Considero o dia internacional da mulher como uma boa oportunidade para falar de mulheres pouco conhecidas que tiveram uma vida inspiradora. Como a de Maria Ylagna Orosa, que descobri no site Lady Science, uma mulher filipina, química e pioneira no processo de conservação de frutas e vegetais nativos. Como observou a professora Ceniza Choy da UC Berkeley, ainda que seu trabalho seja reconhecido, a história de vida merece ser contada.

Origem
Nascida em 1893, sua vida foi muito influenciada pela Revolução Filipina e a Guerra contra os Estados Unidos. Seu pai fez parte da resistência filipina, lutando primeiro contra os colonizadores espanhóis e depois contra os americanos. Seu pai era um capitão naval, eventualmente transportando insurgentes ou suprimentos. Quando ela tinha por volta de 10 anos de idade seu pai se aposentou da vida no mar e deixou sua província para se distanciar da crueldade das tropas colonais americanas. Ainda assim, tornou-se um preso político. Esses fatos inspiraram uma forte comprometimento em Orosa.
Estudos
Após iniciar seus estudos na Universidade das Filipinas, em 1916 foi para a Universidade de Washington, em Seattle, onde completou bacharelado e mestrado em química farmacêutica além de outro bacharelado em química dos alimentos. Orosa continuou nos EUA, para pagar os estudos, trabalhou em empresas de alimentos, onde aprendeu sobre processos industrial de conservação e também trabalhou em um laboratório que avaliava amostras de alimentos trazidas por inspetores sanitários. Tudo isso superando barreiras por ser mulher e estrangeira, algo comentado em cartas para a família. Imagine como uma pessoa como ela teria que ser competente para conseguir ter dois bacharelados e um mestrado, naquela época. Algo que ela comprovou durante os estudos e depois.

Em 1922 ela retornou para as Filipinas e, após um curto período como professora, passou a trabalhar com pesquisa para enfrentar os problemas que desnutrição e insegurança alimentar, que eram comuns em seu país. Ela fez experimentos com diversas técnicas de preservação de alimentos, como enlatar, desidratação, fermentação e congelamento para maximizar os uso de alimentos domésticos locais. Até então, comida enlatada era um alimento para as elites.
Contribuições
Seu trabalho não apenas melhorou o uso de alimentos, mas também criou oportunidades economicas. Orosa foi a primeira pessoa a congelar e enlatar mangas, o que permitiu sua exportação. Ela também estudou ingredientes locais, até então desprezados após séculos de jugo dos colonizadores. Ela fez farinha com mandioca, banana e coco; fementu vinho com frutas e grãos nativos, desenvolveu vinagre com pepinos e transformou algas em agar.
Esse tipo de estudo é tão importante que pesquisas similares são desenvolvidas com produtos nativos brasileiros, em instituições nacionais como a Embrapa, até hoje no Brasil.
Assim, com rigor científico, foram creditadas a ela mais de 700 receitas. O ketchup de banana, um produto típico filipino, foi criação dela e é um sucesso comercial até hoje. E apesar de muitas de suas receitas ainda serem produzidas, muito de seu legado foi obscurecido por marcas comerciais. O que também foi resultado de uma escolha humanitária por acreditar que era mais importante que o resultado de suas pesquisas de suas pesquisas fosse compartilhado, em vez de vendido.
Ela também fez várias pesquisas para aumentar o aproveitamento de alimentos, reduzindo o desperdício e, segundo a professora Choy, recuperando antigas tradições de uso de ingredientes locais, que foram abandonadas com a dominação do arquipélago filipino pelos espanhóis e americanos.
O governo reconheceu a importância do seu trabalho e a colocou como chefe de uma divisão de preservação de alimentos. Segundo Choy, ela usou o melhor da ciência que aprendeu nos EUA para ajudar seu povo nas Filipinas.
Na segunda guerra mundial
Porém, durante a segunda guerra mundial as Filipinas foram invadidas pelo império japonês e sofreu uma brutal ocupação que cortou as importações de alimentos, rompeu as cadeias de produção agrícola e resultaram em fome entre o povo filipino. Apesar das ofertas de refúgio nos EUA Orosa escolheu ficar em seu país onde desenvolveu rações de alto valor nutricional para a guerrilha e formas de conservação e tráfico de alimentos para um campo de prisioneiros. E foi dessa forma que ela se tornou capitã em uma das centenas de unidades de guerrilha filipina que lutava contra os novos ocupantes. Ainda que não tenha se envolvido em combate direto, seu trabalho e suas inovações alimentares evitaram que milhares de pessoas não morressem de fome e a resistência pudesse continuar lutando contra o exército imperial japonês.
O fim
Orosa foi ferida em 1945, enquanto trabalhava em seu laboratório. Apesar de ser levada até um hospital, não sobreviveu quando o hospital também foi atacado. A batalha por Manila, a capital filipina, não apenas a matou como obscureceu seu legado, vários de seus manuscritos foram destruídos no ataque ao laboratório. Mas muito de seu trabalho continua alimentando o povo filipino até hoje.
Como uma nacionalista passional e inteligente, Maria Orosa percebeu que o controle dos alimentos era uma ferramenta de controle colonial. Por meio de química e engenhosidade culinária ela desenvolveu métodos de conservação de alimentos que ajudaram a reduzir a necessidade de produtos enlatados importados, ressaltando os recursos disponíveis nas ilhas. Seu objetivo foi criar condições para a autossuficiência alimentar do povo filipino.
Referência
Maria Ylagan Orosa and the Chemistry of Resistance – https://www.ladyscience.com/features/maria-ylagan-orosa-chemistry-of-resistance?rq=food
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