
Apesar de gostar muito do Dia do Cerrado, o 11 de setembro sempre será lembrando pelo infame ataque às torres gêmeas de Nova York em 2001. Hoje em dia eu acredito que um dos objetivos de Osama Bin Laden, em sua pérfida criatividade, era tornar o mundo mais próximo de sua “imagem e semelhança”: violento, rancoroso e desconfiado. Algo em que ele teve um certo sucesso. Afinal, a enorme escala do ataque teve impactos geopolíticos, econômicos e culturais imensos, que influenciam o mundo até hoje. Eu mesmo demorei para entender a dimensão do evento, tanto que um indicador dessa escala é o fato de que tudo mundo se lembra de onde estava e do que estava fazendo quando soube do ataque, mesmo 20 anos depois. No entanto, essa mesma escala esconde histórias pouco conhecidas e, ainda assim, muito legais.
1- O grande resgate do Rio Hudson
Quando o primeiro avião bateu nas torres gêmeas vários barcos dos bombeiros foram acionados. Como a área atingida ficava perto do rio, os barcos foram usados para apoiar a evacuação de feridos, evitando o trânsito da cidade.. Até aquele momento parecia ser algo pequeno como um acidente de helicóptero. Porém, quando o segundo avião acertou as torres e os prédios começaram a cair o caos começou. Se a sensação de desorientação e caos foi intensa para quem estava em outro país, imagino como deve ter sido para quem estava lá. Qualquer um que já estivesse com idade para entender o que estava acontecendo deve se lembrar bem desses sentimentos.

Temendo novos ataques, as autoridades fecharam metros, túneis, portos e pontes em Nova York restringindo o deslocamento. Afinal, ninguém iria arriscar piorar a situação se um túnel ou ponte cheios de gente fosse alvo de um ataque. Diversas ruas também estavam fechadas devido aos destroços e o trabalho de resgate. O resultado foram centenas de milhares de pessoas encurraladas entre o desastre das torres e o rio Hudson. Desorientadas, feridas e tão cobertas de poeira que pareciam fantasmas cinzentos, muitas dessas pessoal lotaram os piers da região e várias tiveram que ser resgatadas no rio após tentarem ir até Nova Jersey a nado.
A essa altura, além de todos os barcos de bombeiros disponíveis, a Guarda Costeira também já haviam sido acionada. Até o John J. Harvey , um navio de bombeiros aposentado, literalmente peça de museu, foi utilizado. Muitos dos barcos de bombeiros eram necessários para bombear agua do rio para apoiar o combate ao fogo, já que a queda das Torres havia afetado o fornecimento de água na região. Porém, mesmo com o apoio de navios da Guarda Costeira, era simplesmente gente demais. Manhattan é a região mais antiga e densamente povoada de uma das maiores cidades do mundo, com mais de 27 mil habitantes por quilômetro quadrado em 2020. Duvido que essa quantidade fosse muito diferente em 2001.
As autoridades emitiram uma chamada de rádio de emergência solicitando ajuda de qualquer barco que pudesse auxiliar na evacuação. Assim, mais de 160 navios e 600 marinheiros responderam ao pedido. De grandes Ferrys até iates de passeio se juntaram ao esforço de evacuação. Os píeres e as frequências de rádio estavam tão cheias que os marinheiros tiveram que depender de sinais de mão para conseguir se comunicar e evitar colisões entre os barcos. durante horas de trabalho constante. Com o agravante que ninguém sabia se eles seriam alvos de um eventual novo ataque.
De acordo com o então tenente da guarda costeira Michael Day naquele dia ele descumpriu mais regulamentos do que se esforçou para manter durante toda a sua carreira. Barcos autorizados a mover apenas até 5000 pessoas estavam levando mais de 6000 e bandeiras com os destinos foram afixadas nas laterais dos barcos para ajudar as pessoas a se orientar, mas a maioria estava mais preocupada em sair de Nova York do que com o local de chegada. A ordem de prioridades era clara e a balança dos riscos aceitáveis havia mudado. Mesmo com todo esse esforço, sobreviventes chegavam a esperar mais de 3 horas para conseguirem a evacuação. Chegou a ocorrer até engarrafamento de ambulâncias, esperando para evacuar feridos.
Ainda assim, o resgate moveu mais de meio milhão de pessoas para Nova Jersey sem nenhum acidente sério entre barcos e depois ainda levaram suprimentos para apoiar o resgate e combate ao fogo na cidade. Muitos carros de bombeiros estavam sendo reabastecidos nos portos. Foi o maior resgate por barco da história americana. Para fins de comparação, o resgate em Dunquerque, na segunda guerra mundial moveu aproximadamente 300.000 pessoas.
2 – A grande inundação de passageiros
Essa eu devo a uma interessante thread do jornalista Fabio Manzano no twitter. Os atentados em Nova York tiveram efeitos nos EUA que impactaram o resto do mundo. Um deles foi o fechamento do espaço aéreo americano, um dos céus mais lotados de tráfego aéreo no mundo. Assim, inúmeros vôos foram desviados de suas rotas e precisaram pousar em algum lugar. Um desses locais foi o aeroporto da cidade de Gander, em uma ilha na província de Newfoundland em uma região do Canadá. Em 2001 a cidade tinha cerca de 10 mil habitantes, isso mal deve encher um prédio de NY. O pequeno aeroporto local, que geralmente recebia 6 vôos por dia, foi obrigado a receber 38 vôos desviados dos EUA, mais de 6 vezes a frequência normal do aeroporto. Imagino que até acomodar aeronaves estacionadas foi trabalhoso e o trabalho dos controladores de vôo, uma profissão que já é normalmente estressante deve ter sido enlouquecedor. Imagine coordenar e encontrar local de pouso seguro para tantas aeronaves em meio aquele caos?

A soma de tripulantes e passageiros que foi obrigada a se abrigar na cidade passava dos 6500 pessoas de várias partes do mundo. De um dia para o outro a pequena ilha recebeu o equivalente a mais da metade de sua população. Simplesmente não havia onde acomodar tanta gente. Dado o caos dos primeiros momentos, ninguém sabia quanto tempo eles ficariam por lá e provavelmente não havia combustível suficiente para mandar os aviões de volta para seus destinos. Os assustados recém-chegados, devem ter transformado a cidade em uma Babel e foram acomodados de forma improvisada em igrejas, escolas e até mesmo recebidos nas casas dos habitantes locais que se ofereceram para receber os recém-chegados. Eles permaneceram na pequena cidade por 5 dias, quando o espaço aéreo americano foi reaberto.
Apesar da forma como história começou, essa parte teve diversos finais felizes, como casais que se formaram ali. A história foi tema de um livro e inspirou até mesmo um musical na Broadway (indicado ao Emmy).
Conclusão
Ambas as histórias mostram como as melhores características da humanidade podem aflorar para fazer frente aos piores momentos. Os marinheiros de NY foram para o rio ajudar pessoas que não conheciam mesmo sabendo que poderiam ser os próximos alvos, mas trabalharam por horas. No Canadá, pessoas receberam estranhos e estrangeiros justamente num momento em que todos os passageiros estrangeiros do mundo estavam sendo vistos com desconfiança. Um casal que se conheceu em Gavin, e está casado até hoje, diz que a gentileza de estranhos fez deles pessoas melhores.
A violência de 19 terroristas matou quase 3000 pessoas em NY, isso sem contar os milhares que morreram por consequência do atentado, como suicídios, envenenamento devido a exposição e produtos químicos devido a queda dos predios e outros. Porém, o altruísmo e gentileza de milhares de outras pessoas salvou, transportou, cuidou e abrigou muito mais gente. O que ilustra bem as piores e as melhores características dos seres humanos e como a existência de pessoas ruins é algo mais raro que a de boas pessoas. Nesse caso as pessoas ruins seriam que pontuam na escala da tríade sombria da psicologia (psicopatas, narcisistas e maquiavélicas) em contraste com as que pontuam alto na tríade da luz (humanismo, kantianismo e fé na humanidade).
Referencias
The Great Maritime Rescue of Lower Manhattan – https://nymag.com/intelligencer/2021/09/the-great-maritime-rescue-of-lower-manhattan-on-9-11.html
9/11 Boatlift – https://insh.world/history/the-great-boat-lift-of-911/
Thread do Fabio Manzano – https://twitter.com/Fabio_Manzano/status/1439370545653587972
A tríade da Luz: em busca das melhores características da humanidade – https://teclogos.wordpress.com/2019/11/22/a-triade-da-luz-sobre-as-melhores-caracteristicas-da-humanidade/
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So’ dois comentarios… a evacuação de Dunkerque foi sob o ataque alemão, o que consiste numa diferença importante. Mas ambas estorias são lindas.
A violência dos terrorista matou 3000 naquele dia, mas mais que o dobro faleceu depois, por causa de feridas e doenças ligadas aos produtos quimicos que existiam nas torres e que causaram câncer e outros, inclusive para os que foram salvar as pessoas…
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O foco na comparação com Dunquerque foi mostrar os números totais apenas para dar uma dimensão de quantas pessoas foram movidas, sem julgamentos de valor sobre cada evento. Sobre os impactos de longo prazo do ataque, eu concordo com você e vou observar isso no texto. mas esses são bem mais difíceis de se medir.
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