Assim como a maioria minha referência em ensino fundamental é a minha experiência pessoal na escola, ocorrida umas boas décadas atrás. Porém, nossas memórias dessa época podem ser embotadas pela distância do tempo, emoções ligadas ao período e à nostalgia. O que pode deixar nos deixar muito enviesados para entender como funciona o ensino hoje em dia. Sim, a pedagogia também avançou nesse meio tempo.
As reuniões
Assim, reuniões com professores são essenciais para os pais entenderem como são as aulas na escola e como a pedagogia mudou. O que é ainda mais importante no caso de uma linha pedagógica alternativa como a Montessori ou Waldorf. Certas características únicas dessa linhas delas vão se chocar com as referências da maioria dos pais. O que pode se tornar a fonte de conflitos e dúvidas que vão resultar em comentários como: “meu filho não está aprendendo nada” ou “eles passam o dia cantando”.
Para reduzir esse problema existe um processo que se repete todos os anos na escola: a apresentação dos professores das disciplinas e do processo de alfabetização e matemática. Esse é um momento de aprendizado que serve não apenas para aproximar a comunidade da escola, mas também para os pais se aprofundarem na Antroposofia e na Pedagogia Waldorf usando um exemplo fundamental: o aprendizado dos filhos. Os professores apresentam suas estratégias e objetivos de aprendizagem e até fazem demonstrações de exercícios, com algumas reuniões na sala de aula, na mesma mesa do respectivo aluno, usando seus materiais e fazendo os mesmos exercícios que eles, com direito a ver os trabalhos dos alunos.
Observar a apresentação dessas técnicas empregadas especialmente pelos professores é interessante para observar como elas funcionam sob a ótica das teorias de aprendizagem, que são diferentes visões desse fenômeno que é o ato de aprender. Cada abordagem permite um trabalho diferente. Por exemplo, as abordagens comportamentais são pragmáticas, se focam em momentos específicos, em observar se a aprendizagem ocorreu mensurá-la. Outras, como as construtivistas, entendem a aprendizagem como um processo, uma construção de conhecimentos que se somam e ainda temos o sócio-construtivismo que vai observar a influência do meio social onde a aprendizagem. As cognitivistas consideram os processos que ocorrem dentro do cérebro, observando as estruturas mentais que criamos para entender o mundo e como informações novas são assimiladas e incrementam essa estrutura. Não existe abordagem perfeita, a combinação delas é que torna o aprendizado possível e mais efetivo.
Porém, ainda que a visão antroposófica que a professora explicou não cite nada dessas teorias, as práticas apresentadas me parecem convergir em vários pontos . Nas aulas Waldorf a aprendizagem não é considerada como um fenômeno isolado. Lá se aprende com os olhos, com o cérebro, as mãos, os atos, os exemplos e com o grupo. A estratégia me parece criar contextos em que o conteúdo aprendido faça sentido para a mente e o corpo, que atuam juntos para formar uma série de “âncoras” para fixar o conteúdo na memória. Parece prosaico mas bate com várias idéias recentes da neuropedagogia. O ensino não é apenas uma abstração intelectual, ele é ouvido, visto, sentido, tocado e também é algo para se interagir, o que vai envolver até essa construção social do conhecimento (Vygotsky ia adorar isso).
As matérias
Nas aulas de alfabetização é feito um desenho para cada letra e cada uma é tema de um dia de aula. O que forma conceitos em torno das letras e são observados diversos indicadores para diferenciar uma letra da outra. Toda a letra tem seu momento, são desenhos, músicas e movimentos para se entender cada letra.
Já nas aulas de matemática se trabalha com a contagem de sementes, cada número é descrito, desenhado e se conta até mesmo uma história sobre ele. Os números são trabalhados em conceitos e quantidades, como a contagem de sementes, batidas de palmas e outros elementos. A idéia é assimilar a idéia de quantidade por diferentes meios. Tanto que alguns dos exercícios com números eram : escrever algarismos de números romanos até o número 3; caracterizar elementos opostos, como exemplo do 2; definir coisas que tenham o número 5. A idéia me parece ser criar um conceito para cada número e deixar claro o que cada número representa. Nesse aspecto, as aulas de música, que também fazem parte do currículo, são um reforço. A relação entre matemática e música já é conhecida e comprovada. Suponho que assim o conteúdo vai sendo abordado e reforçado em matérias diferentes. Outro aspecto interessante é que as crianças tem exercícios de equilíbrio. Segundo a professora uma boa noção de equilíbrio é útil para desenvolver o raciocínio matémático. O que foi reforçado por um dos pais, que disse que uma equação é justamente um exercício para descobrir as variáveis equilibrando uma expressão matemática.
Existem aulas de línguas, como inglês e alemão. Pelo que entendi existe uma preocupação em que se aprendam línguas diferentes não apenas para desenvolver capacidade de leitura e conversação, que nem me pareceu o objetivo principal. Do pontos de vista dos professores é até interessante que a língua escolhida seja algo bem diferente da língua pátria. A idéia seria conhecer a cultura e o modo de vida de outro de outros países através da língua. E assim deixar os alunos familiares à ideia de lidar com línguas e culturas diferentes, ampliando sua a visão de mundo. Uma capacidade que me parece 100% útil num mundo globalizado.
O conteúdo a ser ensinado é dividido em épocas. Acredita-se que é preciso um certo tempo para o conteúdo ser absorvido, entendido e assimilado. Assim, se num período eles lidam com letras, em outro trabalham com os números ou vão trabalhar inglês e alemão em períodos separados. O que está bem de acordo com a idéia de aprendizagem baseada na experiência, pois a experiência demanda reflexão para completar o aprendizado.
Outro ponto interessante é que existe uma preocupação para que o aluno goste de estudar (a atitude). Ainda que seja o primeiro ano do fundamental permanece a preocupação com o lúdico, em fazer com que a experiência de aprender seja agradável e não uma mera obrigação. O que também reflete a importância do aspecto emocional na aprendizagem. Um dos efeitos da experiência é que os pais adorariam ter estudado do modo como as crianças estão estudando hoje, minha relação com certos assuntos teria sido muito melhor, com impactos na vida profissional.
Conclusão
O ensino pode parecer mais lento, mas a estratégia é criar bases para que essa aprendizagem seja mais sólida. O que bate com a minha impressão que a pedagogia waldorf pode ser mais lenta, mas apresenta ganhos no longo prazo. com a vantagem de evitar os riscos provocados pelo ensino acadêmico precoce.
Na verdade, mais do que a mera passagem de conteúdo o que fica claro para mim é que estão se desenvolvendo competências, que em termos de Gestão de Pessoas podem ser entendidas como a soma de conhecimentos, habilidades e atitudes, o que justifica essa diversidade de modos de ensinar.
A experiência também é um momento para descobrir o que seu filho aprende, como isso é feito. Uma oportunidade para conhecer o trabalho dos professores, entender conceitos particulares a cada matéria, a chance dos pais se colocarem no lugar das crianças e perceber o que elas fazem e vivem na escola. Eu recomendo a experiência.