Tela Botequim: uma janela para o mundo através do cinema


Sobre as pérolas que encontramos de vez em quando na blogosfera brasileira. Essa é uma delas.

Um pouco de contexto

Dentre as várias vantagens (e problemas) trazidos pela tecnologia um que tem me divertido muito é o crescente acesso à produção cinematográfica de outros países. Se boa parte do século XX foi feito sob a hegemonia de Hollywood atualmente temos acesso a produções do mundo todo. E além da excelente produção argentina agora também é possível assistir produções espanholas, coreanas, indianas e várias outras que antigamente nem sequer saberíamos que existem.

A questão não é um ranço de antiamericanismo barato. Os Estados Unidos são um lugar incrível e a contribuição americana para o cinema é incontestável. Porém, é um prazer descobrir que além de Hollywood, também existe Bollywood (India), Nollywood (Nigéria) e até mesmo Roliúdy (Ceará) mostrando que existem variadas formas de contar histórias mundo afora.

A resenha descuidada

Nesse aspecto, uma fonte de referência pessoal tem sido o blog Tela Botequim.  Um blog sobre cinema de todas as partes do mundo que, ao contrário do Spielberg, não tem problemas com filmes distribuídos por streaming, torrent e cia. O blog não está restrito ao Netflix, colhendo de várias outras fontes como as resenhas dos indicados ao Oscar.

O Tela Botequim me parece ser um objetivo pessoal e se for um trabalho voluntário é feito com uma dedicação que deveria deixar alguns sites patrocinados envergonhados. Como descrito por seu autor, o jornalista Rodrigo Svrek:  “gosto de procurar filmes com produção local desses países. Geralmente eles têm uma visão sobre o próprio cotidiano ou história que produções estrangeiras não conseguem captar.”

A atualização é constante, rende um acervo de filmes razoável e se torna um bom complemento ao Netflix. Já que um dos fatores que sempre me incomodou na interface desses serviços de streaming são as informações resumidas demais, dificultando a escolha. Já assisti filmes de terror quando procurava tramas policiais ou dramas nas noites em que estava procurando comédias. Uma forma ruim de terminar o domingo, a segunda-feira me esperando no outro dia já é drama suficiente.

Em compensação, o Tela Botequim oferece uma resenha do filme e um contexto sobre o país ou tempo em que o filme foi produzido. O foco é informar e não julgar, assim a análise está mais para uma resenha do que uma crítica. De qualquer forma, não é nada que se pareça uma aula extensa, serve para oferecer um pano de fundo que ajuda a entender melhor as questões abordadas por determinado filme.

Eu adoraria ter dinheiro para viajar para o mundo todo, mas os filmes já ajudam a ter um gostinho dessa diversidade, além de ser uma boa inspiração para viagens futuras. Para estudantes de cinema deve ser uma excelente fonte para se observar os diferentes estilos de produção mundo afora. Considero uma forma de conhecer outras formas de narrativa.

O uso educacional

E nesse ponto surge o aspecto educativo do blog. O acervo amplo e variado, mais esses dados de contexto e links podem ser um excelente fonte para situações de aprendizagem. Especialmente aquelas planejadas para quebrar estereótipos e ampliar a visão de mundo dos estudantes.

O caso Lionheart

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Um exemplo pessoal desse contato mais aprofundado com outro país, superando estereótipos por meio de filmes, foi uma indicação do blog, o filme nigeriano Lionheart.

O filme da Nigéria é uma história uma mulher rica lutando por sua empresa familiar que está numa situação financeira complicada e enfrentando uma aquisição predatória. Um filme corporativo que teoricamente poderia ser transplantado para São Paulo ou Nova York, o que me pegou de surpresa. Foi bem interessante ver que meu estranhamento no início do filme foi reflexo do meu próprio preconceito em esperar que filmes sobre a África sejam dramas. Assim, assisti um filme nigeriano  sem boko haram, sem a antiga guerra de Biafra, sem animais selvagens e sem gente passando fome. Não vi nenhuma cena de savana.

Também me parece ser a oportunidade para ver como fórmulas de contar histórias podem mudar. O filme aborda o mundo corporativo, levanta questões sobre o papel da mulher na sociedade mas também exalta a importância da família. Acho que foi o filme mais família que vi nos últimos tempos. Além de mostrar a diversidade do país, como as diferenças entre o norte dominado pela etnia Hauça e o sul, dominado pelos Igbos. Ilustrando um país muito diverso em termos de etnias, povos e língua. Eu ficaria perdido sem as legendas, pois em alguns momentos os protagonistas pulam do inglês para os dialetos locais sem aviso. Em termos de trama, os conflitos não são tão exagerados como no cinema americano, a diferenças entre protagonistas e antagonistas são mais discretas, bem como as atuações e a trilha sonora chega a soar simplista em alguns momentos, o que não tira os méritos do filme.

Ao mesmo tempo alguns detalhes mostram discretamente a desigualdade local, algo que me lembrou o Brasil: Como as corridas matinais da protagonista, discretamente acompanhada por um carro preto (que devia fazer a segurança da personagem), ou a festa noturna em uma casa elegante, convenientemente cercada por um muro grande e alto.

O caso Transporte Aéreo (Airlift)

transporte-aereo-netflixEssa é uma história incrível que eu nunca ficaria sabendo se não fosse o filme: um drama histórico e romanceado baseado na história de Mathunny Mathews. Um rico empresário indiano residente no Kuwait que teve um papel crucial para garantir a   retirada de 170.000 indianos que estavam presos no Kuwait durante a invasão Iraquiana dos anos 90. O filme narra a transformação de um empresário bom vivant que foi obrigado a se tornar um líder para retirar seus compatriotas de um país arrasado pela guerra, usando uma de suas grandes habilidades, a capacidade de negociação. Uma jornada do herói inusitada, ainda mais por ser real e, como não podia deixar de ser um filme indiano, tem cena de dancinha.

A fuga dessa imensidão de gente de forma segura vai resultar na maior evacuação aérea da história. Em termos educacionais é excelente para mostrar como um fato histórico (a guerra do golfo de 1991) pode ter desdobramentos imensos e pouco conhecidos.

O caso do Banqueiro da Resistência

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Considerando um tema já tão abordado como a Segunda Guerra Mundial O Banqueiro da Resistência é um caso especial. Além da informação história apresentada por um filme baseado em fatos reais é um exemplo interessante de como a coragem pode se apresentar de forma variada. Nesse belo exemplo de quebra de estereótipo o protagonista não é um soldado, espião ou guerreiro ardiloso, mas um banqueiro que usou sua habilidade em contabilidade e negociação para fazer um trabalho que foi tão ou mais importante, que qualquer ação direta da resistência aos nazistas. Considero o filme um tributo à coragem das pessoas comuns. E uma boa fonte de inspiração para trabalhos sobre o período.

Conclusão

O cinema pode ser usado para instigar o interesse dos alunos em histórias de outros países. Porém, como observado por Claudio Fernandes, isso deve ser feito com o devido cuidado, o cinema está para a história como a literatura. São relatos ficcionais que não podem ser tomados ipsis literis. Não são fontes precisas, mas podem ser um bom ponto de partida para discussão ou reflexão. Enfim, uma das premissas básicas do edutainment (educação + entretenimento) que acho que deve ser tomado apenas como uma forma de tornar o estudante mais simpático ao conteúdo e não uma forma de ensino em si, restrições que já abordei em outros tempos.

Assim, o Tela Botequim é uma excelente fonte para a produção cinematográfica mundial e para aumentar nossa visão de mundo de uma forma similar à literatura. Existem vários outros exemplos além dos casos elencados por aqui.

Fotos: todas as fotos vieram do blog Tela Botequim.

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