No final de 2018 fui convidado para participar de dois eventos, que foram oportunidades interessantes para aplicar um jogo de tabuleiro de educação ambiental justamente para adultos experientes em educação ambiental. Algo bem diferente do público usual de estudantes em que venho trabalhando nos últimos anos e para o qual o jogo foi inicialmente projetado.
Um pouco de contexto
O primeiro foi a II Conferência Brasileira de Restauração Ecológica, em Belo Horizonte. O evento, realizado pela Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica tem como objetivo ampliar o conhecimento sobre a restauração de ecossistemas brasileiros que foram alterados, danificados ou degradados; apoiar a aprendizagem sobre o assunto; fornecer subsídios, para a tomada de decisões e políticas públicas relacionadas à restauração da biodiversidade brasileira. O segundo evento foi o curso Agua Matriz da Vida: Conhecer para cuidar. Realizado pela Universidade de Brasília (UnB), para desenvolver atividades ambientais para serem implementadas em escolas do Distrito Federal.
Educação ambiental é um assunto complicado para ensinar, como observado por Kolmuss e Agyeman (2002) em sua análise sobre as barreiras ao comportamento pró-ambiental. Afinal, a natureza tem uma escala de tempo e espaço muito maior que perspectiva humana. Certos processos, como a restauração ecológica, podem durar muitos anos, e o impacto é amplo e muitas vezes difícil de ser percebido como ligado ao ambiente. Para dificultar, tem dificuldade em perceber sua própria importância na questão: a tendência é considerar que isso é um problema de governo ou de empresários. O cidadão comum age sem se dar conta que todas as suas decisões também impacto ambiental, inclusive a decisão de não se envolver no assunto.
Na SOBRE 2018
Apesar do meu conhecimento no assunto ser ínfimo fui convidado para aplicar o jogo do Cerrado durante uma oficina sobre práticas de educação ambiental. A idéia foi mostrar atividades práticas que podem ser utilizadas dentro da sala de aula e incentivar a discussão sobre novas práticas didáticas através de um momento de aprendizagem livre, uma oportunidade lúdica e interativa de conhecer diferentes iniciativas produzidas no país. As iniciativas foram as seguintes:
- Monitoração sem complicamento – Os participantes serão convidados a se transformar em uma muda/árvore em uma área de restauração imaginada.
- Me safeando nos SAFs – Este jogo explora caminhos de recuperação ambiental atravês de sistemas agroflorestais na Amazônia.
- Desafio no Cerrado: A parte que me coube nesse latifúndio. Desenvolvido com mais de 20 situações de aprendizagem da ecologia regional, os jogadores vão mapear um ambiente do bioma Cerrado e conhecer fitofisionomias básicas de formações campestres, savanicas e florestais e aprender sobre os impactos de fatores como fogo, chuva, fauna, serviços ambientais e a importância da restauração.
- FlorestAção: Biodiversidade em jogo – resultado do engajamento de jovens indígenas e agricultores na Rede de Sementes do Xingu. O material é acompanhado de dois jogos didáticos abordando conceitos, práticas e reflexões sobre a conservação da biodiversidade
- O que faço com o que tenho – São apresentadas aos participantes diversas imagens de áreas em diferentes estágios de perturbação/degradação para que ele avalie o potencial de regeneração natural (resiliência) daquela area e, em seguida, propor estratégias/técnicas para sua restauração.

fonte: SOBRE 2018
A idéia é que a oficina fosse tão interativa quanto as iniciativas participantes. Os participantes poderiam escolher a prática que achassem mais interessante e ao final seria uma discussão sobre as experiências. O perfil do público era bem variado: de estudantes de graduação até doutores e líderes de projeto com anos de experiência em áreas relacionadas à ecologia e educação ambiental. Em comum havia o fato de que todos tinham muita experiência e/ou conhecimento sobre o assunto.
Uma coisa já esperada de um evento aberto como esse é que ele pode parecer tanto caótico, mas é um efeito normal das pessoas terem espaço para analisar e conhecer. Afinal, mesmo lendo a prévia das iniciativas no material de divulgação do evento. As pessoas querem primeiro explorar as opções in loco. Assim, o importante é estar disponível para receber o pessoal que se interessar. Ao contrário das outras iniciativas, que usaram o chão, o Desafio fica muito melhor em uma mesa e, graças à organização do hotel, lá estava eu com a única mesa do circuito prontinha para receber a galera.

Terminada a partida o grupo saiu satisfeito e fizemos uma segunda, onde os participantes agiram de forma similar. Depois dessa segunda partida, todas as iniciativas fecharam para uma roda de discussão sobre a experiência. O que eu achei uma pena, já que adoraria ter visto os outros trabalhos. Mas valeu a pena ver a opinião dos participantes, que ficaram empolgados com o potencial educacional apresentado. Foi uma excelente oportunidade para ver o estado da arte em iniciativas interativas de educação ambiental no Brasil.

Agua Matriz da Vida: Conhecer para cuidar
O curso em si teve 50 horas, envolvendo atividades presenciais e a distância. Os participantes eram professores do curso, com larga experiência e qualificação em ecologia e educação ambiental e alunos, professores da rede pública do Distrito Federal e funcionários da Adasa, a Agência Reguladora de Águas do Distrito Federal. O emprego do jogo foi numa pequena parte desse contexto maior: como uma das vivências do último dia de aula. Nesse curso o jogo foi parte de uma vivência do último dia de aula, que seria essencialmente uma partida do jogo. Para tanto eu treinei um grupo de bolsistas da UnB no uso do jogo. Assim, minha experiência começou alguns dias antes com a seção de treinamento: que é essencialmente jogar diversas partidas do jogo enquanto pontuo os aspectos educativos do jogo, mostrando como as informações sobre o cerrado são apresentadas como regras do jogo, as diversas situações que podem acontecer durante uma sessão e especialmente qual a atitude necessária ao facilitador, que é diferente da postura de um professor em sala de aula.
Uma das vantagens de treinar uma boa equipe é que o trabalho de treinamento se torna mais fácil. Os estudantes eram espertos, abertos para lidar com coisas novas e motivados em relação à educação ambiental. Assim, apesar do treinamento curto eles aprenderam rápido e tiveram um excelente desempenho durante a aplicação dos jogos.
O evento foi realizado no Jardim Botânico de Brasília, o que rendeu um lindo cenário e antes da partida houve uma caminhada por uma das trilhas ecológicas do parque, o que até ajudou a dar contexto para as informações do jogo, como as fisionomias da paisagem do jogo.

Dentre os pontos de tensão do jogo que, ao mesmo tempo, eu considero mais interessantes para a aprendizagem estão: o equilíbrio entre competição e colaboração; e a necessidade dos jogadores serem ativos em relação à degradação ambiental. Se eles não aprenderem a lidar com essas coisas rapidamente, o jogo pode simplesmente acabar com todos perdendo, existe uma regra prevendo isso. Apesar de soar chocante para alguns acredito que ela demonstra perfeitamente a diferença entre satisfação e motivação. Saber administrar bem esse momento é crucial para reforçar a aprendizagem. Uma das partidas terminou justamente por isso, o alto nível de degradação ambiental acabou o jogo e todos perderam. Existe um certo padrão de comportamento nessa situação: começa uma rodada de acusações dentro do grupo. Os jogadores ficam indignados pelo “fracasso” e primeiro procuram um bode expiatório, em algum momento podem culpar o jogo em si. A situação é um momento para o facilitador demonstrar como a falta de ação, a passividade, pode ser pode ser tão danosa quanto provocar o dano ambiental em si. E se torna um evento forte, porque a crítica é justamente em cima da ação do jogador. Se a ação for bem conduzida a indignação se torna reflexão e pode levar à uma discussão produtiva e uma nova atitude em relação ao meio ambiente. O gatilho emocional da derrota, pode ser um belo gatilho de aprendizagem e um desafio interessante para os educadores.
Conclusões
Um dos grandes gargalos dos jogos de tabuleiro é o momento do aprendizado das regras. As artes podem ser atrativas, mas existe algo de intimidante num jogo a ser jogado pela primeira vez. Se eu simplesmente deixasse o jogo e o caderno de regras disponível na mesa provavelmente ela ficaria deserta até o final dos dois eventos. O que explica porque ter facilitadores para explicar as regras e ajudar os jogadores é algo tão essencial numa primeira partida. No caso esse papel foi feito por mim, trajado com a camisa do projeto para não acharem que eu era apenas mais um participante do evento e fazendo propaganda para que alguém participasse. Minha idéia era que assim que alcançasse 4 jogadores a partida começaria. Não existe melhor propaganda para um jogo do que ele ser jogado. Tanto que assim que comecei a explicar o jogo para 4 pessoas em poucos minutos outras 2 se sentaram e tive o prazer de conduzir a primeira partida do dia com a lotação máxima.
No caso do SOBRE, uma das adaptações necessárias ao evento foi o tempo das partidas. Afinal a idéia era ter o máximo de partidas possível, para que mais pessoas conhecessem as práticas. O que não é tão fácil quando o seu jogo tem mais de 20 situações de aprendizagem diferentes, elas devem ser explicadas na forma de regras e demandam um tempo de aprendizagem. Geralmente as partidas duram por volta de uma hora. Explicação das regras é uma parte geralmente subestimada em jogos de tabuleiro, mesmo sendo uma parte principalmente instrucional é de importância essencial, uma explicação ruim prejudica a experiência toda. Como disse Ian Bogost (2007) jogos são sistemas que funcionam com o input do usuário. O tempo de cada partida e a velocidade aprendizagem do jogadores dependem deles. Uma partida nunca é igual a outra. Assim, mesmo que não considere ideal o processo funcionar travado por um tempo fixo, defini que os jogadores jogariam por meia hora e o placar do momento em que o jogo alcançasse 30 minutos seria o placar total do jogo. Enquanto o grupo jogava várias pessoas em volta assistiam e a sala estava barulhenta devido às diferentes atividades ocorrendo ao mesmo tempo. Isso torna a atividade um tanto cansativa pelo barulho, mas foi interessante ver como a motivação de jogar compensa a possível distração: na prática, o barulho interferiu pouco na concentração dos jogadores, que estavam absortos no jogo. Eu, como facilitador, parecia estar mais incomodado que os jogadores.
Novamente foi possível observar as diferenças entre apresentar o jogo para adultos e fazer isso para estudantes ou visitantes leigos. Como muito bem descrito por Rafaela, uma professora de educação infantil que conheço: as crianças se concentram em entender as coisas como elas são. Enquanto os adultos, ao serem apresentados para algo novo tentam adequar a novidade aos seus conhecimentos anteriores. Isso pode ser observado em comentários como “isso é um quebra-cabeça” mesmo que eu explique que tecnicamente o jogo é um tetraminó, um dominó de quatro lados. Assim, é preciso ter em mente que os adultos apresentam dificuldades diferentes das crianças, eles questionam mais e tendem a se confundir mais quando as analogias que formam mentalmente para entender o jogo não batem exatamente com a realidade da partida. Eles são experientes e, como descrito por Quitéria, psicóloga pedagoga e colega de projeto, suas estruturas cognitivas já estão formadas e são mais complexas, o que também as tornam menos flexíveis. Os adultos se atém à detalhes enquanto as crianças se focam no fluxo, na dinâmica do jogo. Elas deixam a partida correr, já fazem uma jogada pensando na próxima. O que não é melhor ou pior, mas simplesmente diferente. Por outro lado, o conhecimento ambiental permite aos adultos contextualizar as regras melhor. Apesar de uma dificuldade inicial maior, quando os adultos conseguem entender as regras, eles conseguem jogar de forma mais independente do facilitador durante a partida. Uma boa oportunidade de ver teorias de aprendizagem funcionando na minha frente. Também foi interessante para testar se o jogo é tecnicamente consistente: se houvesse alguma descrição ecológica errada os especialistas certamente apontariam, mas após entender as regras eles aceitam bem. Mérito das equipes que participaram do desenvolvimento do jogo.
No mais foram excelentes oportunidades, as quais agradeço ao Dr. Felipe Ribeiro da Embrapa Cerrado e Dra. Carmen Correia da UnB. Foi possível consolidar um modo eficaz de aplicar um jogo de tabuleiro em eventos e difundir conhecimentos sobre o cerrado através da aprendizagem baseada em jogos.

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