Como privamos as crianças da atividade física que necessitam


Mais uma tradução livre de um artigo do Dr. Peter Gray  descrevendo como as crianças atuais tem menos atividade física. E como isso ocorre devido à restrições impostas por adultos. Muitos dos seus textos falam da importância mental do brincar livre na formação das crianças. Nesse texto ele foca na saúde física, descrevendo como e porque as crianças atuais tem menos oportunidades.

Nas últimas décadas as oportunidades para crianças brincarem de forma livre e vigorosa  foram reduzidas e, no mesmo período, sua resistência física também diminuiu. O Dr. Gray fez uma revisão de literatura científica mostrando como nossas práticas atuais de monitorar, estruturar e, por fim, controlar a atividade infantil reduziram sua atividade física das crianças e, consequentemente, sua saúde.

Passeios supervisionados por adultos não substituem o brincar livre pela vizinhança

No passado, crianças dos 4 anos em diante passaram boa parte de seu tempo brigando nas ruas de suas vizinhanças com outras crianças, sem adultos presentes. Hoje em dia tais brincadeiras são raras e em alguns locais pais que permitem isso correm o risco de sofer uma acusação por negligência. Na tentativa de compensar alguns pais levam seus filhos para os parque e os colocam em esportes orientados por adultos. Porém, as pesquisas mostram que isso não compensa o brincar livre que essas crianças deixam de praticar.

shutterstock_134122904-1Em um estudo conduzido em Zurique, Marco Huttenmoser (1995) fez uma comparação entre: crianças de 5 anos que vivam em vizinhanças onde era permitido brincar na sua com outras crianças, sem a presença de adultos ; com aquelas que não tinham a mesma liberdade, principalmente devido ao tráfego pesado. Esses dois grupos seriam, respectivamente, o “livre” e o “restrito”.  Huttenmoser observou que os pais do grupo restrito tinham muito mais probabilidade de levar suas crianças para parques, onde eles  praticavam esportes sob supervisão de adultos. Porém isso não resolvia os déficits causados pela falta de liberdade na vizinhança. As crianças do grupo livre passavam, em média, o dobro do tempo livre fora de casa,  eram muito mais ativas , tinham mais amigos e melhores habilidades motoras e sociais quanto comparadas às crianças restritas.

Os estudos de Huttenmoser o levaram a concluir que as atividades nos parques falharam em compensar a perda da liberdade porque:

  • os pais não tem paciência para ficar tanto tempo nos parques, assim as atividades tem seu tempo limitado;
  • o controle parental reduz a liberdade das crianças em brincar de forma vigorosa e desafiadora;
  • é mais raro existirem grupos consistentes para brincar nos parques, assim as oportunidades de interação social entre amigos eram reduzidas;

Os parques tem menos opções de brincadeira do que as vizinhanças, porque a proximidade da casa permite que as crianças tragam equipamentos e brinquedos de casa. O único tipo de brincadeira que era mais comum nos parques do que nas vizinhanças era o playground. Por outro lado, correr, ser barulhento, andar de bicicleta ou triciclo, patinar, construir cabanas, brincar com brinquedos, jogos de equipe, com bola ou mesmo brincadeiras inventadas de todos os tipos eram muito mais frequentes nas vizinhanças livres do que nos parques.

Nos parques, as atividades das crianças são inibidas pelos adultos e estimuladas pela presença de outra crianças

Outra pesquisa, conduzida apenas nos parques mostra que crianças que podem brincar com outras crianças, sem a presença de adultos, brincam de forma mais variada e vigorosa que crianças da mesma idade que são supervisionadas pelos pais ou outro adulto, como uma babá. Um estudo de Floyd (2011) visitou vários parques e observam os níveis de atividade, gênero e idade estimada das crianças observadas. Eles também coletaram dados sobre temperatura, presença de adultos, presença de outras crianças e etc. Eles observaram que o principal fator para reduzir a atividade infantil era a presença de adultos (em torno de 50%). Enquanto o fator que tornava essa atividade mais intensa era a presença de outras crianças (aumento em torno de 370%).

Outro estudo, de Spengler (2011) observou os níveis de atividade de crianças em parques de Tampa e Chicago, nos EUA. Observou-se que crianças que estavam envolvidas com atividades organizadas por elas mesmas, o brincar livre, tinham três vezes mais chance de serem fisicamente ativas do que as que estavam em atividades organizadas por adultos. Tudo isso mostra a importância de tornarmos as cidades mais humanas, mais amigáveis para as pessoas, inclusive as crianças. No Brasil um exemplo de iniciativa nessa área é o Movimento Boa Praça.

Segurança e preocupações acadêmicas tornaram creches, jardins de infância e pré-escolas em centros de atividade sedentária

Nos EUA estima-se que 75% das crianças de 3 a 5 anos está em creches, pré-escolas ou similares. Seria possível supor que essa crianças teriam muitas oportunidades de brincar com outras crianças. Porém, segundo o estudo de Copeland et al. (2012) crianças nesses locais passam de 70 a 83% de seu tempo em atividades sedentárias e apenas 2 ou 3% em brincadeiras mais físicas (recreio ou parquinho) descontando o tempo de sono e refeições.

A pesquisa com profissionais desses centros mostrou que as oportunidades para brincar de forma livre e vigorosa foram muito reduzidas devido à preocupações com segurança e, por incrível que pareça, com a aprendizagem. A pressão dos pais para evitar até ferimentos menores, leis e o medo de processos resultam em locais desinteressantes, sem desafios e com poucas oportunidades de brincar de forma livre e vigorosa. Brincadeiras divertidas, livres e que promovam a saúde como escalar, perseguir, brincar de luta e saltos geralmente são proibidas. Ao mesmo tempo, existe um crescente desejo dos pais para que as crianças aprendam habilidades acadêmicas como cálculo e leitura. Essa imposição leva a ainda mais tempo em atividades sedentárias como identificar cores, desenhar letras e números, em detrimento do livre brincar.

Na opinião do Dr. Gray, como sociedade nós passamos do ponto em nossa preocupação excessiva na segurança das crianças e seu treinamento acadêmico. Ele acredita que esse controle excessivo levou ao aumento o risco de problemas físicos e mentais entre as crianças e que essa pressão pelo estudo acadêmico precoce na verdade prejudica o desenvolvimento intelectual. Em suma, a coisa mais importante que uma criança pode fazer é brincar livre, seja na rua ou na natureza, esse é o melhor exercício que uma criança pode fazer.

Referências

Brussoni, M., et al (2015). What is the relationship between outdoor risky play and health in children? A systematic review.  Int. J. Environ. Public Health, 12, pp 6423-6454.

Copeland, K., et al. (2012).  Societal values and policies may curtail preschool children’s physical activity in child care centers.  Pediatrics, 129 (2), 265-274.

Floyd, M., et al. (2011).  Park-based physical activity among children and adolescents. American Journal of Preventive Medicine, 41 (3), 258-265.

Hüttenmoser, M. (1995). Children and their living surroundings: Empirical investigations into the significance of living surroundings for the everyday life and development of children.  Children’s Environments, 12(4), 403-413.

Lubans, D., et al (2011). The relationship between active travel to school and health-related fitness in children and adolescents: A systematic review.  International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, 8, 1-12.

Machado-Rodrigues, A., et al (2014). Active commuting and its associations with blood pressure and adiposity markers in  children. Preventive Medicine, 69, 132-134.

Mitra, R., et al (2014). Do parental perceptions of the neighbourhood environment influence children’s independent mobility? Evidence from Toronto, Canada. Urban Studies, 5, 3401-3419.

Sandseter, E., & Sando, O. (2016).  “We don’t allow children to climb trees: How a focus on safety affects Norwegian children’s play in early-childhoodeducation and care settings.  American Journal of Play, 8,178-200.

Spengler, J., et al (2011). Correlates of park-based physical activity among children in diverse communities: Results from an observational study in two cities. American Journal of Health Promotion, 25, e1-e9.

Fontes da foto

The Asian Parent

 

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