Em 2017 eu participei de um curso de Análise de Conteúdo que, essencialmente, é um instrumento para a análise de materiais verbais ou textuais como entrevistas, artigos, livros, atas de reunião, anais de congresso e cia. Além do curso ensinar sobre o uso desse método também foi uma oportunidade muito interessante para refletir sobre método científico.
Apesar de alguns considerarem o método reducionista, isso não é um demérito. Saber delimitar é uma parte importante em qualquer pesquisa. Se tudo for relevante e importante o resultado é que nada acaba sendo importante e o pesquisador acaba sendo afogado por um mar de possibilidades, singularidades e variáveis. Assim, primeiro é preciso se fazer escolhas. Definir o que se deseja obter de forma que seja viável para os recursos disponíveis, é o famoso delineamento de pesquisa.
Assim, é quase inevitável o curso passar pela questão da metodologia científica nas ciências sociais. Sim, ela existe. E um dos grandes problemas de se lidar com gente é que o número de variáveis facilmente fica imenso. Como disse o Neil Degrasse Tyson “Em ciência, quando o comportamento humano entra na equação as coisas ficam não lineares. É por isso que física é fácil e sociologia é difícil.” Tanto que um dos usos cada vez mais frequente para o tal do Big Data é tentar mapear comportamento humano, o marketing que o diga.
Meus antecedentes
Eu já conhecia o método, usei de forma limitada no projeto do jogo. No caso, partir das discussões após a sessão de testes eu usava o instrumento para extrair os assuntos mais discutidos após cada seção de jogo e coletar as observações dos participantes sobre problemas e eventuais sugestões para mapear eventuais melhorias. Eu sabia que o método oferecia algo mais sofisticado que isso, mas naquele momento ele atendeu bem às minhas necessidades. Ainda assim, admito que fiquei com vontade de analisar novamente os meus dados de anos atrás à luz do que aprendi nesse curso. Imaginando o que mais de interessante poderia tirar daquelas conversas. No geral, serviu para relembrar como a ferramenta foi útil naquele momento. A análise de conteúdo serve como uma forma de se reduzir o viés do leitor, uma forma de se analisar o conteúdo de forma mais neutra. Algo que fazia muita diferença para mim naquele momento, já que a tentação constante como pesquisador seria ignorar os comentários sobre defeitos no jogo e me ater apenas aos elogios. O método foi importante para me fazer manter a objetividade.
O curso
A primeira parte do curso foi sobre as experiências de um pesquisador com o método. No caso dele foi empregada a simpática Teoria da Ação Racional e foi uma boa oportunidade para ver a importância de um referencial teórico sólido para suportar o trabalho prático. Questionário, entrevistas, sessão de brainstorming, mesa-redonda etc. são apenas instrumentos de coleta de dados. É preciso um modelo teórico que melhor caracterize o objeto de estudos. E também é importante definir como será realizada a análise dos dados, que vai definir aonde se quer chegar, tudo isso é regido pelo objetivo do trabalho. Sem essas definições você pode até ter um bom instrumento de coleta de dados, mas vai ficar perdido sobre o que fazer com eles. O referencial teórico dá um parâmetro para analisar os dados encontrados.
O método
A muito grosso modo, a análise pode ser entendida como várias peneiradas até se chegar ao “sumo” do texto e suas estrutura. Incluindo os eixo temáticos que nortearam o discurso, os assunto mais discutidos nele e as relações entre os diversos temas do texto. A primeira peneira seria a transformação do texto em Unidades Elementares de Contexto, que seriam os nossos “grãos” a serem peneirados. E essas peneiras vão funcionar sob o referencial teórico escolhido e os objetivo da análise.
fonte: Hofman-Camara, R.A pré-análise envolve a inevitável leitura do texto. Sim, mesmo com softwares de análise ninguém escapa de ler o texto todo. Se forem 10 páginas de entrevista bom para você, se forem 500 eu recomendo começar logo e definir um prazo longo. Entender o assunto discutido ajuda, mas não é essencial. Isso pode ser compensado com um bom briefing para quem fizer a análise. Um analista bem instruído sobre o conteúdo, o referencial teórico e os objetivos pode fazer um excelente trabalho. Por exemplo, durante do projeto do jogo de cerrado, a ajuda que tive de uma estagiária de psicologia foi excelente. Um dos exercícios do curso foi uma análise à posteriori de um texto. O que significa uma análise mais exploratória e ampla do texto.
O segundo exercício do curso foi uma simulação de análise de dados a priori a partir de um corpus de texto oferecido pela instrutora. Fomos divididos em grupos, recebemos um corpus de texto para analisar e cada grupo devia procurar colocar as ECU’s pertinentes em uma determinada categoria. No meu caso ficamos com uma sobre Pesquisa e Capacitação. Porém à medida que fazíamos a categorização sentíamos mais falta das fases iniciais definidas por Bardin. Não tínhamos uma base teórica ou conceitual para definir nossos parâmetros de análise, não trabalhamos com o corpus completo do texto e não podíamos voltar a ele para entender melhor determinada ECU. O resultado é que vários grupos colocaram a mesma ECU sob categorias diferentes, o que é um erro segundo o método, já que as categorias devem ser excludentes: a que está em uma não pode estar em outra. Mas isso ocorreu justamente pela falta da base conceitual e também porque cada grupo estava trabalhando em separado, não houve um nivelamento entre nós sobre o mesmo assunto.
A primeira vista isso poderia até parecer um erro de planejamento didático, mas acredito que o objetivo de aprendizagem não era entregar uma análise perfeita, mas que, como alunos, fôssemos capazes perceber e enumerar essas limitações que afetavam nossa capacidade de produzir uma análise de conteúdo consistente. Um exemplo claro e bem-feito de como o erro ou a limitação pode ser um fonte de aprendizado tão ou mais interessante que o acerto, uma ajuda para os alunos e um tributo à habilidade didática de quem montou o curso.
Conclusão
Enfim, o método é uma forma de reduzir a incerteza que existe nas pesquisas sociais, reduz o viés de quem está lendo e até mesmo o viés de quem escreveu. Afinal, uma das primeiras coisas que qualquer pesquisador percebe ao começar o trabalho de coleta de dados é que ele mesmo tem um certo grau de erro instrumental, o ser humano tem uma tendência natural a ressaltar o que ele deseja ouvir, as redes sociais demonstram isso todo o dia, e a análise de conteúdo é um excelente método para mitigar esse problema. O método cria uma forma de se chegar ao cerne do assunto abordado. Um modo de colocar mais rigor na coleta de dados ciências humanas e sociais. É especialmente interessante para usar em fontes disponíveis como cartas, artigos de revista e entrevistas que não foram inicialmente planejadas como fonte de pesquisa. O que justifica todo o trabalho necessário para se obter os dados.
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