Quando elas lutam: sobre a violência entre mulheres


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Treino de defesa pessoal para mulheres na India. A questão mais comum lá é violência contra a mulher e não entre mulheres. fonte: The Red Brigade: India’s women fight back

Introdução

A maioria dos cursos de defesa pessoal tem como foco a violência de homens contra mulheres. No entanto, um artigo de Jackie Bradbury levantou um aspecto bem interessante: Segundo ela, para tornar completa a capacitação em defesa pessoal para mulheres é preciso também considerar a possibilidade de luta entre mulheres.

Antes que alguém se pergunte como um homem,  hétero, cisgenero, o mal encarnado na terra ousa a falar sobre o assunto, aviso que essa é uma tradução livre e um pouco de resenha do artigo de Jackie. Ela é mulher, mãe,  praticante de artes marciais e faixa preta em Arnis moderno e vive Texas. Eu também sou fã de seus textos e concordo que ela tem muito mais propriedade que eu para falar do assunto. O objetivo não é relativizar ou diminuir a questão da violência contra a mulher, que é realmente muito séria. Mas sim abordar esse outro aspecto pouco discutido que é a violência entre mulheres e, através suas peculiaridades, discutir como lidar com o problema sob a perspectiva da defesa pessoal. Então, por favor, não atirem no mensageiro.

Algumas Referências

O ponto da autora é que os motivos que levam as mulheres lutarem são, com frequência, diferentes dos motivos que levam os homens a saírem na porrada e isso deve ser levado em conta para entender como uma luta entre mulheres ocorre e o que deve ser treinado para lidar com a situação. Algumas de suas referências abaixo:

  • Susan Schorn em seu artigo BITCHSLAP: A COLUMN ABOUT WOMEN AND FIGHTING observa que, mesmo hoje em dia, ainda é socialmente esperado que homens briguem. O emprego da violência física seria um papel masculino. Dificilmente alguém considera isso como algo antinatural. Por outro lado, no caso das mulheres as coisas são diferentes. A sociedade espera que elas não façam isso e, se isso ocorrer, que elas lutem apenas por uma motivo, homens.
  • Chris Hart em Why Women Often Fight Each Other acredita que a hostilidade feminina é mais sutil e, por isso, raramente se torna física. Porém, a hostilidade existe e é geralmente dirigida a outras mulheres do que a homens, especialmente contra as mais jovens.
  • Por fim, um estudo sobre o assunto:  A Case–Control Study of Female-to-Female Nonintimate Violence in an Urban Area

Alguns Exemplos

Creio que o objetivo principal de Jackie é refletir sobre como se desenrolam lutas entre mulheres  e como se preparar para essa possibilidade. Para tanto ela usa alguns vídeos sobre brigas de rua reais, com foco didático.

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Evidência B: Clique aqui se não conseguir ver o vídeo
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Evidência C: Clique aqui  se não conseguir ver o vídeo.

Abaixo seguem seis observações de Jackie e opções que deveriam ser observadas por praticantes de defesa pessoal. Achei especialmente interessante para instrutores.

1. Mulheres passam um bom tempo discutindo antes de partirem para a briga

Na opinião de Jackie isso reflete a forma como mulheres usualmente competem na sociedade. Elas não costumam a fazer isso fisicamente, mas verbalmente ou através de seus relacionamentos. Elas geralmente demoram mais para partir para a violência física.

Portanto, técnicas verbais para desescalar um conflito podem ser bem úteis nessa situação. Entenda-se “desescalar” como a prática de reduzir gradualmente a intensidade de um conflito para evitar consequências imprevisíveis. (Humberto Oliveira, em seu livro sobre autodefesa). Conseguir terminar uma briga sem recorrer a violência, especialmente quando a discussão está esquentando, é um objetivo que vale a pena. Afinal a luta mais fácil de vencer é aquela que você não precisou lutar.

2. Não é fácil perceber quando vem o primeiro ataque

Muitas vezes mulheres ficam próximas discutindo e com suas mãos para baixo. Isso é uma postura um tanto confusa pois não indica um ataque iminente.

O ataque real, um empurrão ou agarramento, parece surgir sem aviso. Uma hipótese seria porque, socialmente, não se espera que mulheres lutem. E essa é uma diferença importante: Quando homens lutam há uma série de avisos. Como punhos fechados, gritos e ameaças de violência. Talvez porque a sociedade prepara homens para a luta. Uma decorrência dos valores culturais, algo baseado em certas normas de comportamento, como o conceito “luta justa”. Várias culturas tem seus rituais pré-combate e um autor que aborda bem isso é o John Keegan em “Uma história da Guerra”  No caso das mulheres essa preparação simplesmente não existe ou é muito obscura.

3. Sempre rola puxão de cabelo

Ser puxada pelo cabelo é algo muito provável quando mulheres lutam. Mulheres parecem começar com isso e usar como um meio de prender a outra pessoa no lugar para poder socar e/ou chutar repetidamente.

Ela observou que em algumas lutas “encenadas” (sabe-se lá por que alguém faz isso) ela notou que há muito menos puxões de cabelo. Quando mulheres querem machucar elas vão puxar o cabelo assim que tiverem chance.

Assim, aprender lidar com esse puxão deveria ser uma das prioridades das mulheres. Depois das opções: desescalar o conflito, esquivar ou escapar, claro. Isso deveria incluir a possibilidade de ser puxada para o chão e mantida lá, pelos cabelos. Afinal para onde a cabeça for o corpo vai junto.

Outra coisa não muito frequente, mas bem possível é se puxar a vítima através de brincos ou colares. Esse seriam alvos óbvios e fáceis de pegar. E, claro, a agarrada de cabeça a.k.a. “gravata” ou “guilhotina” pode ser combinada ao puxão de cabelo. Portanto defesa contra esses golpes também deve ser praticada.

4. O puxão de cabelo evolui para luta de chão

Rapidamente as duas lutadores vão para o chão. Geralmente por consequência dos puxões de cabelo. Uma puxa a outra e a outra também puxa o cabelo da primeira para baixo já que é difícil permanecer em pé. Uma situação que praticantes de judô, jiu-jitsu, luta livre conhecem bem.

Isso torna crítica tanto a habilidade de lutar no solo como também a de se levantar rapidamente. Uma vez que você está no chão isso não apenas permite que uma pessoa monte na outra e a mantenha por baixo com o cabelo preso para continuar te agredindo como também deixa a vítima muito vulnerável a ser atingida por outras pessoas.

5. Os ataques tendem a ser tapas na cabeça

Geralmente são raros os golpes de mão fechada, a maioria dos ataque é de mão aberta. Pode ser um modo inconsciente de reduzir o dano ou talvez ou talvez porque socar um crânio duro dói (mesmo sob efeito de adrenalina) e o atacante vai descobrir isso rapidamente se não for um lutador treinado. Se mesmo com luvas e faixas não é impossível um lutador treinado machucar ou mesmo quebrar o punho, imagine o que pode acontecer com uma pessoa comum.

Também são vistos poucos ataques ao tórax. A maioria dos golpes são mirados para a cabeça. Mesmo quando elas chutam o alvo é a parte alta do corpo. O chute alto não é algo fácil, mesmo em lutas profissionais, mas é especialmente perigoso se acertar. Com uma boa chance de causar dano sério ou mesmo letal.

6. Uma vez que a luta começa é difícil acabar

Mulheres não são informalmente treinadas com a idéia de “luta justa” na forma como são os homens. Pelo menos não no ambiente cultural de Jackie e que, acredito, vale para boa parte do mundo civilizado.

Portanto, brigas entre mulheres tendem a ser mais longas do que deveriam. Isso significa que se você estiver numa briga, o melhor é finalizar ou fugir o mais rápido possível. O que vale para qualquer briga de rua independente do gênero.

UFC 207: Nunes v Rousey
Duas mulheres lutando como… profissionais treinadas em luta. fonte:Getty/UFC em Sherdog.com

Alguns pensamentos

Acima foram mostras três exemplos de combate entre mulheres que são diferentes dos cenários de defesa pessoal geralmente praticados em academias.  Para lidar com eles, antes das artes marciais, boas opções seriam: treino em defesa verbal (sim, isso realmente existe) e uso técnicas para desescalar conflitos. Seguindo o bom e velho Sun Tzu, a melhor vitória é aquela que você não precisa machucar ninguém ou não precisa desembainhar a espada, como se diria nos tempos dele.

A questão é observar que a dinâmica de um briga é diferente entre homens e mulheres. O que pode estar ligado à fatores culturais e comportamentais. Parece ser mais difícil elas brigarem, mas também é mais difícil parar.

Também é importante observar que os casos descritos ocorrem em situações de grupo, com várias pessoas presentes e, na maioria dos casos, mais interessadas em instigar a violência do que acalmar a situação. Como diz  a Jackie, é deprimente ver como tem gente mais preocupada em “causar” para depois postar na internet do que acalmar uma situação violenta e potencialmente letal. Um péssimo sinal sobre os rumos que a sociedade vêm tomando.

Enfim, o objetivo deste texto não foi discutir como o mundo deve ser, pessoalmente eu torço por algo melhor, mas como lidar com ele na forma em que está.

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