
A idéia pode soar estranha ou até mesmo cruel. Mas reduzir a quantidade de brinquedos para crianças foi a idéia proposta por Madeleine Somerville em sua coluna de jornal.
A autora começa seu artigo descrevendo sua infância numa família que não era pobre e em certos pontos me lembrou a minha: Uma vida com irmãos vivendo todos no mesmo quarto; roupas de segunda mão, geralmente herdadas do irmão mais velho ou de algum primo e que depois seriam doadas para o irmão mais novo ou algum primo. Mas pelo menos eu tinha TV. Naquela época ela considerava que isso era apenas reflexo de alguma tendência sádica de seus pais.
Porém, o tempo passou, ela cresceu e quando ficou grávida resolveu transmitir para seus filhos o “manto de negligência” que havia herdado de seus pais. O motivo dela foi perceber que a privação tinha seus impactos positivo largamente subestimados.
Dentre os motivos levantados pela autora está a questão ambiental e a crítica ao consumismo, mas creio que um dos melhores argumentos a favor está no benefício para as próprias crianças.
Um pouco de pesquisa
Em um estudo planejado para identificar a prevenir tendências de vício em adultos, dois pesquisadores alemães convenceram uma creche a remover todos os brinquedos de uma classe por três meses. Como a autora observa, apesar da ausência de brinquedos o lugar não virou uma versão de O Senhor das Moscas. Ao contrário do que alguns pensariam, as crianças não começaram uma insurreição. Segundo o estudo, depois da estranheza inicial no final do terceiro mês as crianças indicavam claramente mais uso de imaginação, que brincavam mais e conseguiam se concentrar e se comunicar melhor.
De forma similar, um estudo americano observou que crianças abaixo dos 4 anos com brinquedos demais não conseguem se concentrar por tempo o suficiente para aprender a partir da experiência de brincar. Eles ficam trocando de brinquedos, tentando usar todas as opções disponíveis à vista. São compelidos à uma busca sem foco por experimentar, mexendo em tudo mas sem imergirem em qualquer atividade. Qualquer semelhança com um adulto naquele momento em que está apenas perdendo tempo na internet não me parece mera coincidência. No caso brasileiro isso é ainda mais flagrante se lembrarmos que até alguns anos atrás se falava na cidadania pelo consumo, mas essa é uma festa que acabou com a crise.
A privação como estopim da criatividade
Enfim, acredito que aquele clichê sobre não existir crescimento no conforto continua válido. A redução na oferta de brinquedos seria um problema criado para estimular a criatividade e socialização das crianças. Geralmente, uma boa situação de aprendizagem é um problema a ser resolvido. Assim, apesar do desconforto inicial até a privação controlada de brinquedos pode trazer bons frutos. Seria a versão infantil da idéia liberal “não dê os peixes, ensine a pescar”. A idéia seria trocar brinquedos prontos por materiais que permitam as crianças construir suas brincadeira. E muitas vezes o brinquedo caro de última geração vai oferecer menos opções que a sua própria embalagem.
Para mim esse é mais um exemplo que descreve um dos grandes nós da educação infantil. As relações causa-efeito demoram muito tempo para serem observáveis. O que parece um bônus no curto prazo pode ser um ônus no longo prazo e a recíproca é verdadeira.
foto: http://mrsmckelvey.edublogs.org/2013/04/14/too-many-toys/
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