Chris Westfall publicou um ótimo artigo na Forbes sobre as palestras motivacionais, mas, ao contrário dos conselhos de carreira e frases inspiradoras, ele tratou justamente das falácias e armadilhas desse meio. Elas são especialmente problemáticas quando esse trabalho é feito por profissionais que não são tão bons quanto pensam.
Além das palestras motivacionais, essas falácias também fazem parte do que atualmente é chamado de positividade tóxica, a crença de que um estado feliz e otimista deve ser mantido a todo momento e a qualquer custo.

1- Acredite em si mesmo e você pode fazer qualquer coisa
Talvez uma das ideias mais básicas de uma palestra motivacional, geralmente acompanhada por um poderoso caso de superação pessoal para mostrar como isso está disponível “para aqueles que acreditarem”. Assim, a confiança em si mesmo parece ser o fundamento para qualquer conquista.
Porém, nem todo mundo tem fé em si mesmo. Alguns, simplesmente não tem depois de uma vida de dissabores ou experiências que vem desde a infância. Nesse aspecto o autor sugere que exista algo além da crença para impulsionar as pessoas e que o mais importante seja partir para a ação, independente de acreditar em si mesmo primeiro.
Eu acrescentaria que a mesmo a insegurança tem a sua serventia. O inseguro precisa se fundamentar em algo além de seu ego para executar seus projetos. Talvez a falta de fé em si mesmo seja compensada com treinamento, método ou planejamento e uma pessoa pode fazer uso funcional da própria insegurança para garantir que os planos serão revisados tantas vezes quanto for necessário. Por exemplo, ciência é um método, saber é modelar um experimento e se ater aos seus dados, independente do que digam instintos ou a fé em si mesmo. Isso demanda um certo desapego do ego para descobrir a verdade, mesmo que ela seja desagradável.
Como disse o Neil Degrasse Tyson: “Você sempre pode estar errado”. Estar aberto para essa hipótese significa reconhecer os limites da própria competência. O que pode poupar problemas ou mesmo risco. Um bom exemplo foi o caso do coach motivacional que colocou dezenas de pessoas no alto de uma montanha na pior época possível e teve que ser resgatado pelos bombeiros. Após ter colocado um monte de gente em risco, inclusive os bombeiros que foram salvar o pessoal esse coach continua arrotando sucesso para todos os lados.
2- Sua mente determina tudo, então você precisa controlá-la
Nessa o autor levantou uma informação interessante. Em 2020, cientistas no Canadá identificaram que nós temos mais de 6.000 pensamentos por dia. Outra fonte, a National Science Foundation acredita que uma pessoa média tem cerca de 12.000 a 60.000 pensamentos por dia. Não me pergunte o método de coleta de dados. O ponto é que pensamento na cabeça é mato, pensamentos são fugazes e novos estão surgindo a todo momento. Controlar a própria mente com mão de ferro provavelmente é um esforço inútil.
De fato, várias escolas milenares de meditação se dispõe apenas reduzir ou mitigar a produção de pensamentos para acalmar a mente, conter a ansiedade e focar no que é realmente importante. Talvez o controle da mente esteja longe de ser uma condição essencial para o sucesso. Tanto que muitas pessoas conseguem ter sucesso apesar de suas contradições e limitações mentais.
3 – Garra e determinação são a chave de tudo
Como o autor coloca, nem sempre determinação de ferro é a solução e ele usa a relacionamentos como exemplo. Afinal, eles dependem o acordo de duas ou mais pessoas. Alguém que é o único que se esforça numa relação está sendo parasitado ou, pior ainda, está perseguindo alguém. Obsessivos e stalkers são pessoas muito determinadas com péssimos objetivos.
Ainda que determinação seja importante, também não é o único caminho para resultados. Tem gente que alcançou o sucesso apesar do que estava fazendo. Trabalhar duro é fundamental – nisso os palestrantes motivacionais têm razão. Mas é preciso discernimento para separar a determinação da teimosia ou da obsessão.
Além disso, a força de vontade, não é um recurso infinito, tudo demanda capacidade de gestão dos próprios recursos, físicos, economicos e mentais. Pensar em maneiras de facilitar o seu caminho até o sucesso e economizar esforço e risco são formas perfeitamente aceitáveis de evolução pessoal.
3 – “Se alguém tem que fazer, esse alguém sou eu.”

Essa até faz sentido como um chamado a assumir a responsabilidade pessoal, porém também me parece esconder um incentivo exagerado ao individualismo. Ninguém faz tudo sozinho. Pelo contrário, tudo o que temos ou fazemos tem ajuda de outras pessoas em algum grau. As roupas que vestimos, os computadores que usamos e as estradas em que dirigimos vieram do esforço de outras pessoas. O ser humano evoluiu por sua capacidade de trabalhar em conjunto e não por “fazer seu próprio caminho”. Foi assim que os primeiros humanos conseguiram caçar animais muito maiores e se proteger de predadores.
Ao contrário de uma certa frase de efeito (e motivacional): se os humanos dessa época fossem jogados aos lobos eles não voltariam liderando a alcatéia mas renderiam uma boa refeição, a humanidade ainda estaria morando em cavernas e talvez um lobo estivesse escrevendo esse texto.
4 – A disciplina é a chave para o sucesso
Esta é uma boa reflexão. Se olharmos para nossas próprias experiências, manter o comprometimento com nossos objetivos é fundamental para alcançá-los. Afinal, são as ações e não os sentimentos ou pensamentos que definem os resultados, então a disciplina é mais importante do que a motivação. Isso também levanta questionamentos sobre a eficácia das palestras motivacionais, não é verdade?
A questão é o que se define como disciplina. Significa ter um controle férreo sobre a vontade e nunca se desviar do seu objetivo, ou apenas lembrar-se do que você quer de verdade, manter o foco e nada muito além disso? Inclusive, gente que não descansa e trabalha enquanto os outros dormem tem mais chance de alcançar uma síndrome de burnout, um AVC ou infarto antes do sucesso.
5 – Se eu superei o (câncer, terremoto, invasão do Capitólio, governo bozo, pobreza extrema etc.) você também pode.
Histórias inspiradoras de quem supera obstáculos são muito comuns em palestras motivacionais. No entanto, superar o câncer ou qualquer outra doença, é algo muito complexo e dependente de variáveis muito além da motivação.
O autor usa o câncer como exemplo por razões pessoais, eu suponho. a doença pode ser resultado de hábitos ruins, mas existem fatores hereditários também. Assim mesmo alguém no auge da vida, uma pessoa feliz, cheia de energia e saúde radiante pode ficar doente. Apesar da garra, determinação, boa dieta, disciplina (e muita quimioterapia), muita gente não sobrevive. Essa pessoa não foi fraca, nem toda a batalha difícil vai terminar em vitória. Até porque se terminasse sempre em vitória não seria difícil. Não caia na armadilha de achar que os sobreviventes têm superpoderes. Há até um erro de lógica convincente e insidioso específico relacionado com sobrevivência. Superar as circunstâncias nem sempre tem a ver com disciplina ou perseverança, muitas vezes é uma questão de recursos ou sorte. Isso também importante é não subestimar obstáculos.
O outro efeito ruim dessa ideia é romantizar o sofrimento. O sofrimento não torna as pessoas melhores, geralmente o efeito é exatamente o contrário. Essa ideia é ainda mais perigosa ao ser usada para legimitar a injustiça. Como achar que alguém trabalhando num emprego horrível e mal pago é um herói, quando na verdade está mais próximo de um mártir. Condições decentes de trabalho podem não render belas histórias, mas são muito melhores.
6 – Você precisa ter grandes objetivos se quiser chegar a algum lugar
Mire nas estrelas, diz o ditado, e você pode pousar na lua. Será que vale a pena chegar lá? Eu acredito que o problema aqui não está exatamente nos objetivos, mas expectativas muito altas ou mesmo irreais podem criar pressão excessiva.
Começar com o que é possível é mais saudável, existem métodos específicos para tornar tarefas complicadas possíveis justamente pulverizando uma expectativa grande em muitas tarefas menores para reduzir a ansiedade.
Outro problema é vincular sua identidade à sua capacidade de realização. Isso pode se tornar algo bem destrutivo quando as coisas dão errado. Um efeito possível é o negacionismo, a incapacidade de aceitar uma mudança de rumo necessária.
Metas são boas, mas apegar-se a elas e vincular sua autoestima a números, títulos e conquistas pode tolher a visão e reduzir a capacidade de encontrar soluções. Um certo desapego em relação aos objetivos pode ser saudável para nos tornar mais flexíveis e permitir eventuais mudanças de rota e aproveitar oportunidades.
Conclusão
Suponho que essa positividade tóxica é um efeito da sobrevalorização do individualismo, da aparência e da competição, criando uma necessidade de produtividade a qualquer preço. O que também atende a uma agenda que espera pessoas dóceis, servis e com pouco senso crítico.
Palestras motivacionais são cheias de frases de efeito, mas o mundo é mais complexo do que uma palestra. Como dizem: o caminho para o Monte Everest está coalhado de cadáveres que já foram alpinistas motivados, mas falharam em avaliar riscos, capacidades ou simplesmente tiveram azar. É preciso saber diferenciar otimismo de positividade tóxica, o resultado dessa obsessão por alegria pode cair na alienação e na incapacidade de lidar com a realidade.
Porém, além de falar em coisas a se evitar, é bom ter algo de positivo. Nesse aspecto, minha sugestão é o blog Viver sem Pressa, que já foi tema de resenha por aqui. O trabalho da Yuka é deliciosamente pragmático e despretensioso. Ela não pretende angariar seguidores ou mudar vidas alheias, mas dividir seus aprendizados e mostrar o que funcionou em sua experiência, mais do que sucesso, o foco dela é a felicidade.
Como eu precisava ler isso.
Encontrei seu post pelo Órbita e valeu demais.
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A internet pode ser uma terra de ilusões, não? Fico feliz se o texto foi útil.
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